segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O dogma da inimputabilidade penal do menor de 18 anos e a falácia da sua redução

O dogma da inimputabilidade penal do menor de 18 anos e a falácia da sua redução

É possível a redução da imputabilidade penal na atual conjuntura do Estado Democrático de Direito pátrio? Breve escorço sobre a matéria.
É muito comum ver na mídia impressa, ou televisiva, a opinião formada segundo a qual a maioridade penal deve ser reduzida dos 18(dezoito) anos para 16 (dezesseis anos), outros propõem até a punição a partir de uma idade mais tenra.

A mídia, como é da sabença de todos, tida por muitos como o quarto poder muitas das vezes influencia a opinião pública com essa falácia. Pois argumentam que aos 16 (dezesseis) anos o adolescente já pode votar. Todos os dias somos bombardeados com a mesma opinião.
Porém, se a maioridade penal em outros países já é assunto consolidado que não permite maiores elucubrações. Aqui o assunto se tornou polêmico, em razão de adolescentes que cometem “crimes” bárbaros e supostamente saem “impunes”.
Ora, compulsando a legislação pátria, notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), no art. 103, vemos que a lei determina que o adolescente comete ato infracional. Por seu turno a Lei Eleitoral desmitifica a ideia de que o adolescente já é maduro o suficiente para votar aos 16(dezesseis) anos, quando em verdade a Constituição da República (art. 14, inciso II, alínea c) prescrevem que o voto do menor de 18 (dezoito) anos e maior de 16 (dezesseis) é facultativo.
Ato infracional é o que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevê. Em tese o adolescente não pratica crime. Mas o maior de 18 (dezoito) anos. A dúvida surge quanto ao significado de ambos os termos técnicos. Se no caso do adolescente estamos diante de um eufemismo ou mitigamento para o termo técnico crime.
Para o Diploma Legal acima mencionado o menor de 18 anos é inimputável, haja vista que sujeitos às medidas previstas na Lei nº 8.069/90(art. 104). Contudo a lei merece uma reforma, eis que aplicáveis as penas baseadas no art. 112. Por outro lado, a inimputabilidade vige para as penas cominadas aos delitos prescritos no Código Penal.
Infracional vem de infração que consiste na violação da lei, regulamento, obrigação, contrato, dever. Poder-se-ia pensar que a infração penal seria a violação da lei penal: crime ou contravenção. Mas o termo infração não abrange sempre o delito civil ou penal, contravenção ou quase delito, infração disciplinar ou ilícito administrativo em sentido amplo. Pois pode haver infringência sem autor a punir.
O termo técnico ato infracional existe não como um eufemismo ou uma mitigação, mas é um termo técnico utilizado para a pena que não deve ter um caráter apenas aflitivo, mas como fim imediato a reprovação da infração e como fito mediato a prevenção de que novos delitos aconteçam. A pena, no caso em tela, a medida sócio educativa, com a respectiva internação do menor infrator na unidade prisional para adolescentes, a antiga Febem, que por sua vez se tornou “escola do crime”, com internos organizando-se com facções criminosas e estabelecendo rebeliões para suas reivindicações, visa a reeducação e reinserção do menor infrator à sociedade.
O caráter aflitivo da pena é muitas vezes utilizado pela mídia, segundo a qual o menor infrator deve apodrecer na cadeia, assim como os imputáveis, quando, em verdade, ele deve ser internado, em caso de delitos graves, porque não sabe conviver em sociedade e atenta ou atinge, com o seu ato infracional, um bem jurídico relevante, se tivermos em conta que tão-só os fatos típicos penalmente relevantes podem ser punidos (princípio da intervenção mínima), quais sejam, a vida, a incolumidade física, o patrimônio, etc.
O apodrecimento na cadeia ganhou moldes de vingança privada. A lei do talião ainda vige no seio da sociedade ao se usar expressões como aquela. É uma opinião em que se requer o sofrimento do infrator na mesma medida em que a vítima. Ou seja, olho por olho, dente por dente. Quando o Estado tomou para si a desincumbência de dizer o direito ao cidadão investiu de poderes um tribunal constitucionalmente previsto, e não um tribunal ad hoc, um tribunal de exceção, cujo direito-garantia expresso na Carta Magna preceitua não poder haver juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inciso XXXVII ).
Para Hart o princípio da retribuição expressa “não o fim senão justamente o critério de distribuição e de aplicação das penas”. Para Alf Ross “retribuição é, por definição, prevenção”. Luigi Ferrajoli diz “Mas o contrário não é necessariamente verdadeiro, posto que se pode prevenir sem retribuir algo: o fim da prevenção, se bem que entrelaçado ao princípio retributivo, por sua vez, não o implica, podendo ficar satisfeito também por meio da punição desarrazoada do inocente”.
O menor de idade discerne o que é errado e o que é certo, mas atrapalharia o seu desenvolvimento enquanto cidadão a inclusão prematura deles em cadeias para indivíduos muito perigosos que contribuiriam para sua formação de uma maneira negativa. Quando, em verdade, o direito penal visa a reintegração do infrator a sociedade por meio da sua recuperação. A pacificação social é a missão do Poder Judiciário e não aplicar a pena para ver o preso apodrecer na cadeia.
O Código Civil de 1916 previa que o homem era capaz para os atos da vida civil aos 21 (vinte e um) anos de idade (art. 9º). O Código Civil de 2002 reduziu para 18 (dezoito) anos como prescrito no art. 5º, da Lei nº 10.406/02 que assim predetermina: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Acerca daquele Codex vejamos a opinião do mestre Sílvio Rodrigues acerca do desenvolvimento intelectual do menor relativamente incapaz (maior de 16 anos e menor de 21 anos): “ A lei, neste caso, admite que o indivíduo já tenha atingido um certo desenvolvimento intelectual, que, se não basta para dar-lhe o inteiro discernimento de tudo que lhe convém nos negócios, chega, entretanto, para possibilitar-lhe atuar, pessoalmente, na vida jurídica”.
“O ordenamento jurídico não mais despreza a sua vontade, antes a considera, atribuindo ao ato, praticado pelo menor púbere todos os efeitos jurídicos, desde que se submeta aos requisitos exigido pela lei. Entre tais requisitos o mais relevante é o de vir o menor assistido por seu representante, isto é, a lei exige, para validade do ato, que o menor se aconselhe com seu pai ou tutor, o qual, se de acordo com o negócio, o assistirá.” In Direito Civil, Sílvio Rodrigues, Parte Geral, Volume 1.
Para Maria Helena Diniz a “incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se i princípio de que “ a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção”. No que tange ao menor absolutamente incapaz diz a referida doutrinadora que os menores de 16 (dezesseis) anos são absolutamente incapazes porque “devido à idade não atingiram o discernimento para distinguir o que podem ou não fazer, o que lhes é conveniente ou prejudicial. Dado o seu desenvolvimento mental incompleto carecem de auto-orientação, sendo facilmente influenciáveis por outrem.”
No que tange a incapacidade relativa dos maiores de 16 (dezesseis) anos e menores de 18 (dezoito) anos diz a referida doutrinadora que “a sua pouca experiência e insuficiente desenvolvimento intelectual não possibilitam sua plena participação na vida civil, de modo que os atos jurídicos que praticarem só serão reputados válidos se assistidos pelo seu representante. Caso contrário, serão anuláveis.” Com exceção do jovem que: “pela concessão dos pais, ou de um deles na falta de outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; pelo casamento; pelo exercício de emprego público efetivo; pela colação de grau em curso de ensino superior; pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”. É o que decorre do parágrafo único, do art. 5º, incisos I a V, da Lei nº 10.406/02. Nestes casos, cessando a incapacidade, a emancipação se dá por que são exceções de ingresso na vida adulta que não seriam normais para todos os menores púberes e impúberes.
O novo Código Civil mantém a a incapacidade relativa aos 16 (dezesseis) anos de idade (art. 4º ,inciso I) e a incapacidade absoluta no art. 3º , inciso I para o maior de 16 (dezesseis) anos e menor de 18 (dezoito) anos.
Ora, a mantença da imputabilidade penal a partir dos 18 (dezoito) anos completos se explica pelo princípio da humanidade (art. 5º, inciso XLVII, da Carta Magna). Diz Guilherme de Souza Nucci sobre a concretude do referido princípio: “Cuidar do tema da humanidade pode simbolizar uma busca por parâmetros ideais, desvinculados da realidade, em particular, pela dificuldade de materialização da benevolência do sistema penal diante do infrator”. (...) “No extenso caminho rumo ao amadurecimento, pretendendo-se consolidar os bons sentimentos e os elevados valores, impõe-se a restrição à plena liberdade de ação dos infantes e jovens, seja por meio dos pais ou tutores, seja por intermédio da escola. Nesse processo, encontram-se as sanções disciplinares, cuja finalidade é a preservação da autoridade de quem conduz o curso educacional. O objetivo de pais e professores, que certamente amam seus filhos e respeitam seus alunos, é o bem, como regra. Outra não pode ser a missão do Estado, buscando, pela via da pena, proporcionar a reeducação e a ressocialização do infrator, conforme a extensão da reprimenda aplicada.”
A imputabilidade penal do menor infrator é um vão sofisma, pois. A pena cruel, não açambarcada pelo ordenamento jurídico pátrio, no dispositivo alhures destacado, da convivência do menor infrator com adultos que atuam e necessitam igualmente de ressocialização não se compactua com o Estado de Democrático de Direito e sobremodo com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição da República), tendo em vista o estado caótico das nossas cadeias, verdadeiras escolas do crime.

Bibliografia

Direito Civil, volume I, RODRIGUES, Sílvio
Direito Civil, volume I, DINIZ, Maria Helena
Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais – NUCCI, Guilherme de Souza

Por KARLA CHRISTINA FARIA DE ALMEIDA, advogada
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