segunda-feira, 15 de julho de 2013

Aplicabilidade do princípio da Insignificância no Direito penal Brasileiro - por Luciano Poubel

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Aplicabilidade do princípio da insignificância no direito penal brasileiro

Analisar o princípio da insignificância e a sua utilização em diversas situações, seja nos crimes patrimoniais, crimes ambientais, crimes de natureza tributária e a sua possibilidade de aplicação pela autoridade policial.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar o princípio da insignificância e a sua utilização em diversas situações, seja nos crimes patrimoniais, crimes ambientais, crimes de natureza tributária e a sua possibilidade de aplicação pela autoridade policial.
 Estará sendo mostradas as principais decisões do Superior Tribunal de Justiça - STJ, e da corte máxima, Supremo Tribunal Federal – STF, demonstrando como realmente é aplicado na prática.
 Sem contar que será mostrada a visão dos principais doutrinadores do direito trazendo o seu posicionamento sobre a aplicabilidade do principio da insignificância, assim o presente artigo possuirá a visão teórica e pratica do tema em pauta.
Palavras-chave: Princípio da insignificância, Claus Roxin, crimes patrimoniais, crimes ambientais, crimes de natureza tributária, lesão corporal, drogas e autoridade policial.
ABSTRACT
This article aims to analyze the principle of insignificance and their use in different situations, whether in property crimes, environmental crimes, crimes involving tax and its possible application by the police.
Is being shown the major decisions of the Superior Court of Justice – STJ, and the maximum court, the Supreme Federal Court – STF, showing how ir really is applied in practice.
Not to mention that the view is shown of the leading scholar of the right bringing your position on the applicability of the principle of insignificance, so this article will possess the theoretical and practical overview of the topic under discussion. 
Keywords: Principle of insignificance, Claus Roxin, Property crimes, environmental crimes, crimes related to tax, police authority.
1.      INTRODUÇÃO
No Brasil tem-se como premissa que a liberdade dos indivíduos é uma regra e seu encarceramento uma exceção, fazendo assim valer o Estado Democrático de Direito, onde é valorizado a dignidade da pessoa humana buscando, a cada dia, trabalhar para que o indivíduo preso possa ter a possibilidade de sofrer ressocialização, lógico que a justiça sempre será aplicada de maneira justa, imparcial, isonômica, proporcional e razoável focando sempre a harmonia de toda a sociedade.
A preocupação máxima do direito penal reside na proteção dos bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. Para isso o legislador, de maneira criteriosa e política, variando de cada momento em que a sociedade estará vivendo, utilizará o direito penal sempre que os demais ramos do direito se revelem incapazes de proteger devidamente aqueles bens mais importantes. Percebe-se, assim, um principio limitador do poder punitivo do Estado, conforme preleciona Muñoz Conde[1]:
O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objetos de outros ramos do Direito.
O responsável pela indicação dos bens de maior relevância é o principio da intervenção mínima conhecida também como ultima ratio.
Portanto o Direito Penal deve interferir o menos possível na vida em sociedade, devendo agir somente quando os outros ramos do direito o solicitar. Nesse sentido é a lição de Cezar Roberto Bitencourt:
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.[2]
Claus Roxin ressalta perfeitamente o caráter subsidiário do Direito Penal:
A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, senão que nessa missão cooperam todo o instrumental do ordenamento jurídico. O direito Penal é inclusive, a última dentre todas as medidas protetoras que devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema  - como a ação civil, os regulamentos de policia, as sanções  não penais etc. Por isso se denomina a pena como “ultima ratio da policia social” e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos.[3]
O presente artigo terá a função de demonstrar o conceito de princípio da insignificância bem como a maneira que a Corte Suprema vem fundamentando suas decisões tomando por base alguns tipos penais específicos, mostrando a aplicabilidade pratica de um conceito teórico.
2. Evolução Histórica
A origem para o nascimento do princípio da insignificância ainda é objeto de debates, não sendo pacificados pelas correntes doutrinárias, alguns levam a acreditar que sua origem se deu no Direito Romano, isto ocorreu devida a conduta do magistrado da época romana utilizar da chamada “mínima nom curat practos”, ou seja, desprezar casos insignificantes e ter foco todo direcionado para os verdadeiros delitos, que seriam aqueles de grande relevância e inadiáveis.
No tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava, no Direito Romano, onde o pretor não cuidava de modo geral, de causas e delitos de bagatela, consoante à máxima contida no brocardominima nom curat praetor[4]
O renomado doutrinador Mauricio Antonio Ribeiro Lopes possui um posicionamento contrário à origem romana do Princípio da insignificância, é levantada a premissa que o Direito Romano foi desenvolvido sob a égide do Direito Privado e isso o faz ter o seu campo de aplicação propriamente o Direito civil, porém a grande maioria dos Doutrinadores é da corrente de que o principio da insignificância vem da época da Roma Antiga.
Existe registro da referencia ao principio da insignificância na Declaração dos direitos do Homem de 1789, art.5°: “A Lei não proíbe senão as acções prejudiciais à sociedade. Tudo aquilo que não pode ser impedido, e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.”
Para colocar fim a qualquer debate sobre o principio da insignificância temos Claus Roxin que possui todos e total crédito sobre o desenvolvimento e sua efetiva aplicação, Discorrendo sobre o tema. Assis de Toledo assim diz:
Welzel considera que o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso Claus Roxin propôs, a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do principio da insignificancia, que permite na maioria dos tipos, excluir danos de pouca importância.[5]
3.      Conceito DE CRIME
É imprescindível antes de adentrar no estudo profundo da aplicação do principio da insignificância saber o real conceito de crime para o instituto do Direito Penal, após esse fato poderá, em definitivo, ingressar no estudo da bagatela.
Fazendo um resumo rápido, tem-se hoje no Brasil duas grandes correntes sobre o conceito de crime: teoria bipartida e teoria tripartida.
Caso alguém visite uma faculdade de direito e pergunte para qualquer estudante do curso sobre o conceito de crime teremos a seguinte resposta: Crime pode ser definido como sendo um fato típico, ilícito e culpável. Esse é o conceito que é adotado pela corrente da teoria tripartida[6]. Virando o lado da moeda, teremos a teoria bipartida[7] que possui o entendimento de que crime é constituído de fato típico e ilícito, estando a culpabilidade na plataforma de um pressuposto para a aplicação da pena.
Tomando como um exemplo um menor de dezoito anos (seja criança ou adolescente) que tenha cometido um crime, analisando pela visão da corrente tripartida tem-se que tal jovem não praticou crime, uma vez que é considerado inimputável e assim exclui a culpabilidade e em consequência disso exclui-se o crime. Para os defensores da corrente bipartida esse mesmo jovem cometeu sim um crime, tendo em vista que sua conduta é típica e ilícita, porem o mesmo não poderá ser penalizado, pois o fato de ser inimputável é uma excludente da culpabilidade.
Após essa breve explicação do conceito de crime, será estudado, nesse momento, focar em um único elemento que seria o fato típico, desta feita não importa qual teoria é adotado, tendo em vista que em ambas tem-se o fato típico.
Buscando os ensinamentos, do respeitável, doutrinador Argentino Eugenio Raul Zaffaroni “ o tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes.”[8]
Assim o doutrinador Argentino, teve a maravilhosa visão, de desenvolver uma nova teoria do tipo penal, eis que surge a teoria da tipicidade conglobante.
Rogerio Greco explica muito bem sobre o tema tipicidade, eis que segue o seu pensamento:
A tipicidade penal, necessária à caracterização do fato típico, biparte-se em:
a)             Formal e
b)            Conglobante.
Tipicidade formal é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal, No caso em exame, haveria a chamada tipicidade formal, uma vez o legislador fez previsão expressa para o delito de lesão corporal de natureza culposa cometido na direção de veiculo automotor.
Contudo, será que poderíamos falar em tipicidade conglobante?
Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico.
O estudo do principio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade material.
(...)
Elaborando um raciocínio lógico, chegaríamos à seguinte conclusão: Se não há tipicidade material, não há tipicidade conglobante; por conseguinte, se não há tipicidade penal, não haverá fato típico; e como consequência lógica, se não há o fato típico, não haverá crime.[9]
Nesse momento, ficou claro, e demonstrado pelos doutrinadores, o momento exato, em que se deve destacar o estudo princípio da insignificância, ou seja, reside dentro da tipicidade conglobante, mais precisamente na chamada tipicidade material.
 4.      Princípio da insignificancia
Conduz a atipicidade do fato, por ausência de tipicidade material, ou seja, funciona como causa de excludente da tipicidade, desempenhando uma interpretação restritiva do tipo penal, atuando como ferramenta de auxilio para o interprete quando da analise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência do tipo aquelas situações considerada como de bagatela.
Já o STF diz que é preciso, para o seu reconhecimento, a presença de certos vetores, tais como: a) a mínima ofensividade da conduta; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
 5.      Crime de bagatela
Em relação ao crime de bagatela, a doutrina brasileira classifica-se em duas formas a) Infração bagatelar própria; b) infração bagatelar impropria. Na primeira consiste que o fato desde a sua origem é irrelevante, em consequência disso, não há que se falar em crime, tendo em vista o fato ser absolutamente irrelevante ficando completamente fora da visão do direito penal. Já no segundo, o fato nasce relevante, id est, existe um crime, conduta tipificada, mas no decorrer do processo, fica totalmente visível que a pena seria algo desnecessária.
Trazendo os ensinamentos do Doutrinador Luiz Flávio Gomes: “infração bagatelar própria = principio da insignificância; infração bagatelar impropria = princípio da irrelevância penal do fato” o primeiro é puramente objetivo, já no segundo importam os dados do fato assim como uma certa subjetivação, porque também são relevantes seus antecedentes, sua personalidade e outras circunstancias.[10]
 6.      Lesão corporal
Quanto aos delitos de lesão corporal, se deles resultar consequências mínimas e insignificantes como, por exemplo, vermelhidão advindo de um tapa, não há        óbice em sua aplicação, portanto ela incide nessa espécie de crime.
 7.      Crimes CONTRA O PATRIMÔNIO
Nos crimes patrimoniais fica bem claro o modo que o STF vem decidindo, em todos os casos são ponderados: a) a mínima ofensividade da conduta; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Até mesmo em alguns crimes com violência existe a aplicabilidade do principio da insignificância, contudo é nítido que os juízes de primeiro grau dificilmente acatam as teses de insignificância do delito, ficando o cargo para o STJ e STF ( Anexo I).
A corte Suprema em sua decisão começa explicando que o tema de insignificância correlaciona diretamente com a legalidade penal trazendo em pauta o inciso XXXIX do art. 5º da CF que diz: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. A norma criminalizante terá a função de balança entre o poder punitivo do Estado e a liberdade individual.
O ponto principal da decisão do STF trata no balizamento da proporcionalidade e da razoabilidade do fato ocorrido, afinal o direito penal opera como ultima ratio, desta feita existem casos em que o fato criminoso ocorreu porem sua relevância perante a sociedade é ínfima e acionar toda a maquina pública para tratar de um tema tão pequeno seria demandar um grande esforço para colher um pequeno resultado.
O desafio pleno existente para o interprete da norma fica atrelado a identificar o vetor que leve ao juízo da não significância penal da conduta.
Olhando pela perspectiva do agente a conduta tratada como penalmente insignificante revela uma excessiva carência material e um desespero do que uma firme intenção, sem contar que o agente não possui nenhum histórico de vida delituosa.
Da outra face da moeda existe a visão da vitima que sofreu a conduta do agente desesperado, contudo o sentimento vivenciado pela vitima foi irrelevante, não teve uma revolta pela situação ocorrida e muito menos ficou indignado pela impunidade penal do agente tendo como respaldo a insignificância da sua conduta delitiva, pelo contrario teve pena por ver uma pessoa passando por um desespero fora da realidade.
No tocante aos crimes contra o patrimônio existe a dificuldade de aplicar o principio da insignificância quando a conduta do agente utiliza grave ameaça violência e emprego de armas. Quando isso ocorre a vitima sofre com a situação vivenciada, pois poderia naquele momento ter perdido sua vida, a lesão do patrimônio foi pequena, mas o dano psicológico vivenciado foi algo descomunal.
Atualmente na doutrina e na jurisprudência o objeto material dos delitos patrimoniais deve ser convertido em pecúnia, ou seja, deve-se ponderar se o valor subtraído reduziu o patrimônio da vítima e a fez ter um desfalque significante e também se deve analisar se a conduta do agente é algo rotineiro e reincidente.
Imagine um trabalhador que possui cinco filhos pequenos, casado, mora de aluguel e busca trabalhar o maior tempo possível para trazer dinheiro para sua família. Em um mês esse trabalhador possuía 10 reais em sua carteira que seria investido na compra de alimentos para saciar a fome de sua família por dois dias, porem no caminho do mercado um oportunista de forma ágil e cautelosa subtraiu a carteira deste trabalhador, contudo por sorte do destino no momento da ação do punguista um oficial da PM observou e viu a ação criminosa. De imediato o policial exercendo o seu papel perante a sociedade, interveio e prendeu em flagrante o meliante.
Passada a fase inquisitiva, em audiência ocorreu à confissão do meliante e verificou que o valor subtraído foi de apenas 10 reais, contudo esse valor faria falta para a família e traria um prejuízo e um sofrimento muito grande, com isso a tese da defensoria não foi acatada, ou seja, não teve a aplicação do princípio da insignificância tendo por partida a situação especifica da vitima, ou seja, não se pode mensurar a aplicação do principio apenas pelo seu valor e sim pela condição da vitima e pelo motivo do agente.
Por fim deve-se observar que o julgado que se encontra no anexo I trata várias informações que agregara conhecimento para entender como tem sido o pensamento da Corte Suprema sobre a aplicabilidade do principio da insignificância nos crimes patrimoniais.
8.      Crimes de natureza tributária
Para analisar os crimes de natureza tributária existe uma maior facilidade, tendo em vista a letra da lei nº 10.522 que em seu art.20 diz: Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ele cobrada, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033/04.)
Desta feita qualquer débito inscrito como Divida Ativa da União, de valor igual ou inferior a dez mil reais, não poderá ser objeto de ação penal. É obvio que a cobrança será feita, porém devera ser utilizada outra área do direito para reaver o dinheiro da dívida e isto demonstra que a própria lei faz valer o principio da intervenção mínima, ou seja, o direito penal é a ultima ratio. Decisão Jurisprudencial (Anexo II)
9.      Crimes ambientais
Analisando a natureza dos crimes ambientais, não existe um outro caminho a se seguir, ou seja, a interpretação não poderá ser diferente dos demais casos, não existindo razão lógica ou jurídica para encontrar um fundamento contrário aos demais crimes que aplicam o princípio da insignificância.
É lógico que no tocante aos crimes ambientais, deverá ter uma certa cautela na analise do fato concreto para ter-se caracterizado os requisitos da aplicabilidade do principio da insignificância, tendo em vista o dano ter causado um desiquilíbrio ecológico, contudo a maior segurança que possuímos é o fato de conter dentro do Poder Judiciário magistrados com elevada maturidade e capacidade de identificar o tamanho que uma destruição poderia ou não ter desiquilibrado o meio ambiente.
Com isso há a incidência do principio da insignificância nos crimes ambientais (Anexo III).
10.    Crimes militares
Em relação a aplicabilidade do principio da insignificância nos crimes militares fica bem observado que a Suprema corte mudou a sua linha de raciocínio, que no passado, acabava por entender ser plausível a aplicação do principio da insignificância nos casos tipificados pelo art. 290 Código Penal Militar, contudo essa posição mudou e atualmente não existe mais espaço para esse principio tendo em vista ter uma afronta à autoridade e à hierarquia (Anexo IV).
Nesse ponto deve-se ponderar que a tipologia da relação jurídica em ambiente militar é totalmente incompatível da figura da insignificância penal, até mesmo quando se depara com uma quantidade ínfima, ou seja, independentemente da quantidade e até mesmo da espécie de entorpecente.
Uma comparação entre drogas e o militar ocorre com a agua e o óleo, não se misturam, ou seja, não existe a possibilidade de militar estar utilizando qualquer tipo de droga pois vai contra o seu dever.
O efeito da droga além de destruir a saúde do ser humana leva a destruição a moral da corporação e o conceito social das Forças Armadas.
O conceito hierárquico dentro das Forças Armadas jamais irá operar de maneira simplória, pelo contrario, é a viga do alicerce de sua estrutura.
A Suprema Corte ponderou as situações dos casos concretos e levou a mudar sua maneira de decidir, passando a não aplicar o principio da insignificância em matéria Militar, ponderando e justificando sua decisão para o respeito a hierarquia e sem contar que nos casos envolvendo militar existe um código Penal específico.
11.  Crimes de moeda falsa
Esse tipo de delito chama a atenção de todos, porem muitos são ludibriados e levados a erro, pois pensam que a aplicação do principio da insignificância deste tipo penal seria condicionada conforme o valor aferido na falsificação, errado, o que importa é a perfeição da falsificação.
Quanto maior for a forma grosseira da falsificação maior será a probabilidade de aplicar o principio da insignificância, isto ocorre que o objetivo da falsificação só será atingido quando a perfeição dela estiver quase perfeita, não ocorrendo isso ficaria impossível de aplicar o tipo penal.
O mesmo ocorre com falsidade documental que possui uma dinâmica parecida com o crime de falsificação de moeda, ou seja, uma falsificação grosseira da carteira de habilitação faria vigorar o principio da bagatela.
12.  Crimes previstos na lei de drogas
A posição do STF no que tange ao crime de tráfico de drogas é pacifica, a não aplicabilidade do principio da insignificância, não importando a quantidade, tendo em vista a estar perante a um crime de perigo abstrato praticado contra a saúde pública, desta forma é irrelevante a quantidade da substancia apreendida.
Nessa linha de pensamento, também não há espaço para a aplicação do principio da insignificância em relação ao crime definido no art. 28 da Lei 11.343/2006 (porte de drogas para consumo pessoal), partindo da premissa, que tal medida seria equivalente a liberar o porte de pequenas quantidades de droga indo contra a lei, contra legem (Anexo V).
13.  Valoração do principio da insignificância pela autoridade policial
Inicialmente vale lembrar que o Delegado de Polícia é um operador do direito, uma pessoa com formação jurídica e que possui uma discricionariedade na formação do seu convencimento jurídico, fazendo assim, um reforço, para a possível aplicação do principio da insignificância, cabe ao Delegado de Policia analisar o caso concreto e verificar a legalidade da prisão e se esta deve subsistir
O Delegado de Polícia é aquele que tem o primeiro contato com o crime e que, portanto, apresenta as melhores condições para efetivar a investigação. Temos de enxergar a figura da autoridade policial como a de um juiz da fase pré-processual. O Delegado é um sujeito imparcial e que deve atuar como um garantidor dos direitos fundamentais dos sujeitos passivos da investigação.[11]
Vale ainda lembrar que a conduta da autoridade policial em analisar o caso concreto e não efetuar a prisão em flagrante tendo por respaldo a aplicação o principio da insignificância, não significa o arquivamento do inquérito policial, até porque é completamente vedado pela legislação. A questão levantada não diz respeito ao inquérito policial e sim a prisão em flagrante.
Lembrando que tal posicionamento ainda gera uma polemica tendo em vista que alguns doutrinadores entendem que a autoridade policial não poderia aplicar tal principio deixando o encargo apenas para o Poder Judiciário.
14.  Conclusão
O presente artigo teve o objetivo de mostrar ao leitor um pequeno estudo da aplicação do principio da insignificância no direito penal, mostrando o posicionamento de doutrinadores brasileiros e estrangeiros e o posicionamento do STF.
Ficou claro que o STF utiliza o fundamento de que para o reconhecimento do princípio da insignificância, a presença de certos vetores, tais como: a) a mínima ofensividade da conduta; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
É perfeitamente aplicado o principio da insignificância nos crimes ambientais, patrimoniais e nos crimes de natureza tributária.
Já nos crimes militares, ficou claro, que o entendimento mudou, e que atualmente não é mais considerada a aplicação do principio tomando por base ter uma afronta à autoridade e à hierarquia militar. Nos crimes referente a Lei de drogas também não há a aplicação de tal princípio.
Em relação a prisão em flagrante pode a autoridade policial aplicar o principio da insignificância, lógico que existe doutrinadores contrários a esse posicionamento, tomando cuidado aos critério aplicados para fundamentar a soltura do criminoso.
 Lembrando que a autoridade policial não arquiva o Inquérito policial, ou seja, a aplicação do principio da insignificância esta sendo aplicado apenas para as prisões em flagrante.
15.  Referências bibliográficas
MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal. Barcelona: Bosch, 1975;
BITENCOURT, Cezar Roberto. Lições de direito penal – Parte geral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995;
ROXIN, Claus. Derecho penal – Parte General. Madrid: Civitas, 1947;
Ackel Filho, Diomar. O princípio da insignificância no Direito Penal. Julgados do Tribunal de alçada Criminal de SP, ano 22, abr/mai/jun. 1988;
SILVA, Ivan Luiz da. Principio da Insignificância no Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2005;
ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de derecho penal – Parte general. Buenos Aires: Ediar, 1996;
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 12ª Edição. Vol. 1. Ed. Impetus. 2010;
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes de tipicidade. Volume 1. Ed. Revista dos Tribunais. 2009.
ANEXO I
Ementa: HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL. TIPICIDADE PENAL. JUSTIÇA MATERIAL. JUÍZO DE ADEQUAÇÃO DE CONDUTAS FORMALMENTE CRIMINOSAS, PORÉM MATERIALMENTE INSIGNIFICANTES. SIGNIFICÂNCIA PENAL. CONCEITO CONSTITUCIONAL. DIRETRIZES DE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. O tema da insignificância penal diz respeito à chamada “legalidade penal”, expressamente positivada como ato-condição da descrição de determinada conduta humana como crime, e, nessa medida, passível de apenamento estatal, tudo conforme a regra que se extrai do inciso XXXIX do art. 5º da CF, literis: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. É que a norma criminalizante (seja ela proibitiva, seja impositiva de condutas) opera, ela mesma, como instrumento de calibração entre o poder persecutório-punitivo do Estado e a liberdade individual 2. A norma legal que descreve o delito e comina a respectiva pena atua por modo necessariamente binário, no sentido de que, se, por um lado, consubstancia o poder estatal de interferência na liberdade individual, também se traduz na garantia de que os eventuais arroubos legislativos de irrazoabilidade e desproporcionalidade se expõem a controle jurisdicional. Donde a política criminal-legislativa do Estado sempre comportar mediação judicial, inclusive quanto ao chamado “crime de bagatela” ou “postulado da insignificância penal” da conduta desse ou daquele agente. Com o que o tema da significância penal confirma que o “devido processo legal” a que se reporta a Constituição Federal no inciso LIII do art. 5º é de ser interpretado como um devido processo legal substantivo ou material. Não meramente formal. 3. Reiteradas vezes este Supremo Tribunal Federal debateu o tema da insignificância penal. Oportunidades em que me posicionei pelo reconhecimento da insignificância penal como expressão de um necessário juízo de razoabilidade e proporcionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no molde legal-punitivo, materialmente escapam desse encaixe. E escapam desse molde simplesmente formal, por exigência mesma da própria justiça material enquanto valor ou bem coletivo que a nossa Constituição Federal prestigia desde o seu principiológico preâmbulo. Justiça como valor, a se concretizar mediante uma certa dosagem de razoabilidade e proporcionalidade na concretização dos valores da liberdade, igualdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, etc. Com o que ela, justiça, somente se realiza na medida em que os outros valores positivos se realizem por um modo peculiarmente razoável e proporcional. Equivale a dizer: a justiça não tem como se incorporar, sozinha, à concreta situação das protagonizações humanas, exatamente por ser ela a própria resultante de uma certa cota de razoabilidade e proporcionalidade na historicização de valores positivos (os mencionados princípios da liberdade, da igualdade, da segurança, bem-estar, desenvolvimento, etc). Donde a compreensão de que falar do valor da justiça é falar dos outros valores que dela venham a se impregnar por se dotarem de um certo quantum de ponderabilidade, se por este último termo (ponderabilidade) englobarmos a razoabilidade e a proporcionalidade no seu processo de concreta incidência. Assim como falar dos outros valores é reconhecê-los como justos na medida em que permeados desse efetivo quantum de ponderabilidade (mescla de razoabilidade e proporcionalidade, torna-se a dizer). Tudo enlaçado por um modo sinérgico, no sentido de que o juízo de ponderabilidade implica o mais harmonioso emprego do pensamento e do sentimento do julgador na avaliação da conduta do agente em face do seu subjetivado histórico de vida e da objetividade da sua concreta conduta alegadamente delitiva. 4. É nessa perspectiva de concreção do valor da justiça que se pode compreender o tema da insignificância penal como um princípio implícito de direito constitucional e, simultaneamente, de direito criminal. Pelo que é possível extrair do ordenamento jurídico brasileiro a premissa de que toda conduta penalmente típica só é penalmente típica porque significante, de alguma forma, para a sociedade e a própria vítima. É falar: em tema de política criminal, a Constituição Federal pressupõe lesão significante a interesses e valores (os chamados “bens jurídicos”) por ela avaliados como dignos de proteção normativa. Daí porque ela, Constituição, explicitamente trabalha com dois extremos em matéria de política criminal: os crimes de máximo potencial ofensivo (dentre os quais os chamados delitos hediondos e os que lhe sejam equiparados, de parelha com os crimes de natureza jurídica imprescritível) e as infrações de pequeno potencial ofensivo (inciso I do art. 98 da CF). Mesmo remetendo à conformação legislativa ordinária a descrição dos crimes hediondos, bem como daqueles de pequeno potencial de ofensividade. 5. Ao prever, por exemplo, a categoria de infrações de menor potencial ofensivo (inciso I do art. 98), a Constituição Federal logicamente nega a significância penal de tudo que ficar aquém desse potencial, de logo rotulado de “menor”; ou seja, quando a Constituição Federal concebe a categoria das infrações de menor potencial ofensivo, parece mesmo que o faz na perspectiva de uma conduta atenuadamente danosa para a vítima e a sociedade, é certo, mas ainda assim em grau suficiente de lesividade para justificar uma reação estatal punitiva. Pelo que estabelece um vínculo operacional direto entre o efetivo dano ao bem jurídico tutelado, por menor que seja, e a necessidade de uma resposta punitiva do Estado. 6. A contrario sensu, o dano que subjaz à categoria da insignificância penal não caracteriza, materialmente, sequer lesão de pequena monta; ou seja, trata-se de ofensividade factualmente nula, porquanto abaixo até mesmo da concepção constitucional de dano menor. Donde sua categorização como penalmente atípica. 7. O desafio do intérprete da norma é encontrar aqueles vetores que levem ao juízo da não-significância penal da conduta. Vetores que decolam de uma leitura pluridimensional da figura da adequação típica, principiando pelo ângulo do agente; quero dizer: da perspectiva do agente, a conduta penalmente insignificante deve revelar muito mais uma extrema carência material do que uma firme intenção e menos ainda toda uma crônica de vida delituosa. Pelo que o reconhecimento da irrelevância penal da ação ou omissão formalmente delituosa passa a depender de uma ambiência factual reveladora da extrema vulnerabilidade social do suposto autor do fato. Até porque, sendo o indivíduo uma realidade única ou insimilar, irrepetível mesmo na sua condição de microcosmo ou de um universo à parte, todo instituto de direito penal que se lhe aplique há de exibir o timbre da personalização. Logo, tudo tem que ser personalizado na concreta aplicação do direito constitucional-penal (sobretudo os institutos da pena e da prisão), pois é a própria Constituição que se deseja assim orteguianamente aplicada (na linha do “Eu sou eu e as minhas circunstâncias”, como luminosamente enunciou Ortega Y Gasset). 8. Já do ângulo da vítima, o exame da relevância ou irrelevância penal deve atentar para o seu peculiarmente reduzido sentimento de perda por efeito da conduta do agente, a ponto de não experimentar revoltante sensação de impunidade ante a não-incidência da norma penal que, a princípio, lhe favorecia. Espécie da mais consentida desreificação ou auto-apeamento de situação jurídico-subjetiva. Sem que estejamos a incluir nesse vetor aquelas situações atinentes aos bens de valoração apenas no psiquismo da vítima, porquanto de valor tão-somente sentimental (uma bijuteria que pertenceu a importante familiar falecido ou muito admirado, por exemplo). 9. Sob o prisma dos meios e modos de realização da conduta, não se pode reconhecer como irrelevante a ação que se manifesta mediante o emprego de violência ou ameaça à integridade física, ou moral, tanto da vítima quanto de terceiros. É dizer: os meios e modos de execução da ação formalmente delitiva não podem consistir em atentado à vida, à saúde, à integridade física, nem à dignidade de qualquer pessoa. Reversamente, sinaliza infração de bagatela ou penalmente insignificante aquela que, além de não se fazer acompanhar do modus procedendi que estamos a denunciar como intolerável, revela um atabalhoamento ou amadorismo tal na sua execução que antecipa a sua própria frustração; isto é, já antecipa a sua marcante propensão para a forma não mais que tentada de infração penal, porque, no fundo, ditadas por um impulso tão episódico quanto revelador de extrema carência econômica do agente. 10. Do ângulo da repressão estatal, a aplicação do princípio da não-significância penal é de se dar num contexto empírico de óbvia desnecessidade do poder punitivo do Estado. Situações em que a imposição de uma pena se auto-evidencie como tão despropositada que até mesmo a pena mínima de privação liberdade, ou sua conversão em restritiva de direitos, já significa um desbordamento de qualquer idéia de proporcionalidade. 11. Por fim, e invertendo um pouco a visão até hoje prevalecente na doutrina e na jurisprudência brasileiras acerca do furto e demais crimes contra o patrimônio, o reconhecimento da atipicidade material da conduta há de levar em consideração o preço ou a expressão financeira do objeto do delito. Ou seja: o objeto material dos delitos patrimoniais é de ser conversível em pecúnia, e, nessa medida, apto a provocar efetivo desfalque ou redução do patrimônio da vítima. Reversamente há de propiciar algum enriquecimento do agente. Enriquecimento sem causa, lógico, apto à estimulação de recidiva e à formação do juízo malsão de que “o crime compensa”. É dizer, o objeto material do delito há de exibir algum conteúdo econômico, seja para efetivamente desfalcar ou reduzir o patrimônio da vítima, seja para ampliar o acervo de bens do agente. 12. As presentes diretivas de aplicabilidade do princípio da insignificância penal não são mais que diretivas mesmas ou vetores de ponderabilidade. Logo, admitem acréscimos, supressões e adaptações ante o caso concreto, como se expõe até mesmo à exclusão, nesses mesmos casos empíricos (por exemplo nos crimes propriamente militares de posse de entorpecentes e nos delitos de falsificação da moeda nacional, exatamente como assentado pelo Plenário do STF no HC 103.684 e por esta Segunda Turma no HC 97.220, ambos de minha relatoria). 13. No caso, a tentativa de subtração de protetores solares, a todo tempo monitorada pelos seguranças do estabelecimento comercial de grande porte e pelo sistema de vigilância eletrônica, se amolda à ponderabilidade de todas as diretivas listadas. O que legitima ou autoriza a aplicação do princípio da insignificância, pena de se provocar a mobilização de u’a máquina custosa, delicada e ao mesmo tempo complexa como é o aparato de poder em que o Judiciário consiste, para, afinal, não ter o que substancialmente tutelar. 14. Ordem concedida.
Decisão
Ordem concedida para restabelecer o acórdão que deu pela absolvição da paciente, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. Ausentes, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa e, justificadamente, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. 2ª Turma, 13.12.2011. HC 109277-SE.
ANEXO II
Ementa: Habeas Corpus. Descaminho. Tributos não pagos na importação de mercadorias. Habitualidade delitiva não caracterizada. Irrelevância administrativa da conduta. Parâmetro: art. 20 da Lei n° 10.522/02. Incidência do princípio da insignificância. Atipicidade da conduta. Ordem concedida. A eventual importação de mercadoria sem o pagamento de tributo em valor inferior ao definido no art. 20 da Lei n° 10.522/02 consubstancia conduta atípica, dada a incidência do princípio da insignificância. O montante de tributos supostamente devido pelo paciente (R$ 1.645,26) é inferior ao mínimo legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros débitos congêneres em nome do paciente. Ausência, na hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. Precedentes. Habitualidade delitiva não caracterizada nos autos. Ordem concedida para o trancamento da ação penal de origem.
Decisão
Deferida a ordem, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. Ausente, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma, 01.02.2011. HC 96.852-PR
ANEXO III
Ementa - CRIME - INSIGNIFICÂNCIA - MEIO AMBIENTE. Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a absolvição do acusado.
Decisão
O Tribunal, por unanimidade, nos termos do voto do relator e do revisor, Ministro Gilmar Mendes (Presidente), julgou improcedente a ação. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 12.06.2008. AP 439-SP
ANEXO IV
HABEAS CORPUS. CRIME MILITAR. POSSE DE REDUZIDA QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM RECINTO SOB ADMINISTRAÇÃO CASTRENSE. INAPLICABILIDADE DO POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. INCIDÊNCIA DA LEI CIVIL 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. RESOLUÇÃO DO CASO PELO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL CASTRENSE. ORDEM DENEGADA.
  1. A questão da posse de entorpecente por militar em recinto castrense não se define pela quantidade, nem mesmo pelo tipo de droga que se conseguiu apreender. O problema é de qualidade da relação jurídica entre o particularizado portador da substância entorpecente e a instituição castrense de que ele fazia parte, no instante em que flagrado com a posse da droga em pleno recinto sob administração militar. 2. A tipologia da relação jurídica em ambiente militar é incompatível com a figura própria da insignificância penal, pois, independentemente da quantidade ou mesmo da espécie de entorpecente sob a posse do agente, o certo é que não cabe distinguir entre adequação apenas formal e adequação real da conduta ao tipo penal incriminador. É de se pré-excluir, portanto, a conduta do paciente das coordenadas mentais que subjazem à própria tese da insignificância penal. Pré-exclusão que se impõe pela elementar consideração de que uso de drogas e o dever militar são como água e óleo: não se misturam. Por discreto que seja o concreto efeito psicofísico da droga nessa ou naquela relação tipicamente militar, a disposição pessoal em si para manter o vício implica inafastável pecha de reprovabilidade cívico-profissional. Senão por afetar temerariamente a saúde do próprio usuário, mas pelo seu efeito danoso no moral da corporação, na eficiência dos seus misteres e no próprio conceito social das Forças Armadas, que são instituições voltadas, entre outros explícitos fins, para a garantia da nossa ordem constitucional, nela embutida a ordem democrática. Saltando à evidência que as Forças Armadas brasileiras jamais poderão garantir a nossa ordem constitucional, inclusive a democrática (sempre por iniciativa de qualquer dos Poderes da República), se elas próprias não velarem pela sua peculiar ordem hierárquico-disciplinar interna. 3. A hierarquia e a disciplina militares não operam como simples ou meros predicados funcionais das Forças Armadas brasileiras, mas, isto sim, como elementos conceituais e vigas basilares de todas elas. Dados da própria compostura jurídica de cada uma e de todas em seu conjunto, de modo a legitimar o juízo técnico de que, se a hierarquia implica superposição de autoridades (as mais graduadas a comandar, e as menos graduadas a obedecer), a disciplina importa a permanente disposição de espírito para a prevalência das leis e regulamentos que presidem por modo peculiar a estruturação e o funcionamento das instituições castrenses. Tudo a encadeadamente desaguar na concepção e prática de uma vida corporativa de pinacular compromisso com a ordem e suas naturais projeções factuais: a regularidade, a normalidade, a estabilidade, a fixidez, a colocação das coisas em seus devidos lugares, enfim, segundo pautas legais e constitucionais antecipadamente lançadas. Como não pode deixar de ser, no âmbito de instituições que se definem pelo permanente uso de armamentos. 4. Esse maior apego a fórmulas ortodoxas de conduta não significa perda do senso crítico quanto aos reclamos elementarmente humanos de se incorporarem ao dia-a-dia das Forças Armadas incessantes ganhos de modernidade tecnológica e arejamento mental-democrático. Sabido que vida castrense não é lavagem cerebral ou mecanicismo comportamental, até porque diz a Constituição às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar (§ 1º do art. 143). 5. O modelo constitucional das Forças Armadas brasileiras abona a idéia-força de que entrar e permanecer nos misteres da caserna pressupõe uma clara consciência profissional e cívica: a consciência de que a disciplina mais rígida e os precisos escalões hierárquicos hão de ser observados como carta de princípios e atestado de vocação para melhor servir ao País pela via das suas Forças Armadas. Donde a compatibilidade do maior rigor penal castrense com o modo peculiar pelo qual a Constituição Federal dispõe sobre as Forças Armadas brasileiras. Modo especialmente constitutivo de um regime jurídico timbrado pelos encarecidos princípios da hierarquia e da disciplina, sem os quais não se pode falar das instituições militares como a própria fisionomia ou a face mais visível da idéia de ordem. O modelo acabado do que se poderia chamar de relações de intrínseca subordinação. 6. No caso, o art. 290 do Código Penal Militar é o regramento específico do tema para os militares. Pelo que o princípio da especialidade normativo-penal impede a incidência do art. 28 da Lei de Drogas (artigo que, de logo, comina ao delito de uso de entorpecentes penas restritivas de direitos). Princípio segundo o qual somente a inexistência de um regramento específico em sentido contrário ao normatizado na Lei 11.343/2006 é que possibilitaria a aplicação da legislação comum. Donde a impossibilidade de se mesclar o regime penal comum e o regime penal especificamente castrense, mediante a seleção das partes mais benéficas de cada um deles, pena de incidência em postura hermenêutica tipificadora de hibridismo ou promiscuidade regratória incompatível com o princípio da especialidade das leis. Precedentes: HCs 94.685, da relatoria da ministra Ellen Gracie (Plenário); e 103.684, da minha relatoria (Plenário). 7. Ordem denegada. (HC 107.688/DF, Relator Min. Ayres Britto, SegundaTurma, Julgamento em 7/6/2011, DJE 19/12/2011)
ANEXO V
Ementa - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - TRÁFICO DE DROGAS. O fato de o agente haver sido surpreendido com pequena quantidade de droga - três gramas - não leva à observação do princípio da insignificância, prevalecendo as circunstâncias da atuação delituosa - introdução da droga em penitenciária para venda a detentos. PENA - DOSIMETRIA. Surge devidamente fundamentada sentença que, entre o mínimo de três anos e o máximo de quinze, implica a fixação da pena-base em seis anos de reclusão, consideradas as circunstâncias do crime - prática junto a detentos de estabelecimento prisional e a personalidade do agente.
Decisão
A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Carlos Britto. 1ª. Turma, 07.11.2006. HC 87319 / PE


[1] MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción al derecho penal, p. 59-60
[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Lições de direito penal – Parte geral, p.32.
[3] ROXIN, Claus. Derecho penal, t. l, p.65.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O Gaeco disponibilizou em sua página, no site do Ministério Público do Paraná, orientações sobre os direitos dos cidadãos quando abordados pela polícia. São informações importantes para que a pessoa abordada possa respeitar o trabalho da Polícia e, ao mesmo tempo, ter segurança de que terá seus direitos respeitados. O material trata, por exemplo, das abordagens em ambiente aberto, em casa, em veículos, como se dá a autorização de prisão, o uso de algemas, a identificação de policiais, entre outras questões.

MP-PR orienta sobre direitos e deveres no relacionamento com a Polícia

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) disponibilizou em sua página, no site do Ministério Público do Paraná, orientações sobre os direitos dos cidadãos quando abordados pela polícia. Um dos órgãos do Ministério Público responsáveis pelo controle externo da atividade policial, o Gaeco reuniu algumas informações importantes para que a pessoa abordada possa respeitar o trabalho da Polícia e, ao mesmo tempo, ter segurança de que terá seus direitos respeitados. 

O material trata, por exemplo, das abordagens em ambiente aberto, em casa, em veículos, como se dá a autorização de prisão, o uso de algemas, a identificação de policiais, entre outras questões.

Clique aqui para acessar o material.

Cartilha do CNMP – Informar a população sobre seus direitos e deveres no relacionamento com as polícias também é o objetivo de cartilha produzida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), lançada no final de maio, durante o III Encontro Nacional de Aprimoramento da Atuação do Ministério Público no Controle Externo da Atividade Policial. O material deve ser distribuído em todo o país. Saiba mais. Acesse aqui a cartilha.

Informações para a imprensa com:
Assessoria de Comunicação
Ministério Público do Paraná
(41) 3250-4228 / 4439

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Redução da idade penal:impossibilidade

Redução da idade penal: impossibilidade

02/07/2013 por Frederico Afonso Izidoro
Dois homicídios com requintes de crueldade (corpos queimados de dois dentistas) ocorridos recentemente no estado de São Paulo (São Bernardo do Campo e São José dos Campos respectivamente) foram o estopim para retomar a questão da viabilidade ou não da redução da idade penal no País.

O primeiro praticado no ABC por um menor de idade (17 anos) contra a dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza, reacendeu a discussão na sociedade sobre a redução da idade penal no Brasil, atualmente de 18 anos, nos termos do artigo 228 de nossa Constituição. Vejamos: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Antes de avançarmos, faço duas indagações: 1ª: É possível alterar tal dispositivo em nossa Constituição? 2ª: Qual o objetivo de tal redução?

Respondendo à primeira pergunta, entendo que o artigo 228 é uma cláusula pétrea, conforme artigo 60, § 4º, inciso IV c/c artigo 5º, § 2º, tudo da Constituição: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais.” e “Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”. Portanto, teoricamente só seria possível alterar este direito individual através de uma nova constituição. Digo teoricamente, pois no âmbito dos direitos humanos, um direito humano alcançado não retroage (a irretroatividade é uma das características clássicas do Direito Internacional dos Direitos Humanos), e lembrando o magistério de J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição – Ed. Almedina), ao falar de poder constituinte, afirma que “...obedece a padrões e modelos de conduta espirituais, culturais, éticos e sociais radicados na consciência jurídica geral da comunidade...”, ou seja, o poder constituinte originário não seria totalmente autônomo, tendo uma limitação imposta pelo direito natural. O mesmo Canotilho afirma que deve ser levado em conta o princípio da observância de direitos humanos, mas lembra também que a vontade do povo deve ser destacada, já que uma das bases dos direitos humanos é a democracia. Em suma, temos uma dificuldade imensa em alterar tal dispositivo, se é que isto seja possível.

Respondendo à segunda pergunta, acredito que a sensação de impunidade dada aos menores infratores causa repulsa à boa parte da sociedade, que no mínimo questiona: “se tem idade para votar, tem idade para ser responsabilizado penalmente”. Nesta linha de raciocínio, se tem idade para ser responsabilizado, pode ser preso, então concluo que parte da sociedade pouco se importa com o significado real da idade penal, mas apenas quer o encarceramento dos então menores infratores como se adultos fossem!

Proteção às crianças no âmbito internacional humanista não falta: Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924); Declaração sobre os Direitos da Criança (1959); Declaração sobre a Proteção da Mulher e da Criança em Situações de emergência e de Conflito Armado (1974); Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar da Criança (1986); Regras Mínimas para a Administração da Justiça Juvenil das Nações Unidas (“As Regras de Pequim” - 1989); e por fim, a Convenção dos Direitos da Criança (1989).

Sobre esta última, adotada pelas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990 (uma das maiores influências à formação da Lei nº 8.069/90 que institui o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) afirma no artigo 1º que “entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos de idade”. Nas questões preambulares a Convenção afirma que “a criança, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade, deve crescer em um ambiente familiar, em clima de felicidade, amor e compreensão”, e ainda, “a criança, em razão de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, incluindo proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento”. Desta forma, a criança tem direito a uma proteção especial integral ao seu desenvolvimento pleno (físico, mental, espiritual e social).

Atualmente o Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo, com cerca de 550 mil pessoas presas, sem contar as milhares que deveriam estar presas, outras milhares que deveriam estar soltas e mais um déficit de vagas também na casa dos milhar.

Na linha da resposta da segunda pergunta, onde a sociedade quer o encarceramento do menor de 18 anos infrator, trago os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt (Falência da Pena de Prisão e causas e alternativas – Ed. Saraiva) nas seguintes menções: “A história da prisão não é a de sua progressiva abolição, mas a de sua reforma”; “constatou-se sua mais absoluta falência em termos de prevenção”; “Com projetos funcionalistas, a prisão da década de noventa será uma prisão mais cômoda em termos de conforto – seguramente  a mais desumana que se possa imaginar”; “Sabe-se, hoje, que a prisão reforça os valores negativos do condenado”; “Como se percebe, há um grande questionamento em torno da pena privativa de liberdade, e se tem dito reiteradamente que o problema da prisão é a própria prisão. Aqui, como em outros países, avilta, desmoraliza, denigre e embrutece o apenado”.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, nossa norma mais importante de direitos humanos no âmbito do sistema regional americano determina no artigo 5º, nº 6 que “As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Nós cumprimos isso no Brasil? Não cumprimos com os adultos e também não vamos cumprir com os menores! Nossas prisões são depósitos de lixo humano. Agora, se o preso deixou de ser ser humano, esqueceram de me avisar...

Sou totalmente contra a redução da idade penal, porque não resolve nada reduzi-la. Se o garoto de 17 anos é hoje o “vapor” do tráfico, amanhã será o de 16, 15...10. O limite será a maternidade: “prenda aquele bebê que pegou a chupeta do outro...”. No Brasil, prender por prender só agrava, nada resolve.

Cabe ressaltar que sou totalmente a favor da transferência do maior de 18 anos da Fundação Casa para a prisão dos adultos. Em menos de 30 dias (entre os meses de abril e maio deste ano), acompanhei in loco três rebeliões na Fundação de Jundiaí/SP provocada nas três vezes por maiores de 18 anos. Já são maiores, respondem como tal, então, cumpra sua medida sócio educativa no Centro de Detenção Provisória, por exemplo.

O artigo 6º da Convenção dos Direitos da Criança afirma que “1. Os Estados-partes reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida. 2. Os Estados-partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança”. Nosso Ministro da Justiça, do qual tive a oportunidade de ser aluno, José Eduardo Martins Cardozo, em entrevista de novembro de 2012 afirmou que “Se fosse para cumprir muitos anos na prisão, em alguns dos nossos presídios, eu preferiria morrer”. Agora eu te pergunto: é isto que você deseja para os menores infratores da lei?

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Empresário não pode ser multado por fumante no estabelecimento

Empresário não pode ser multado por fumante no estabelecimento

Decisão da Vara da Fazenda Pública de Mogi das Cruzes - SP que considerou inconstitucional Lei Antifumo Paulista, por transferir ao empresário poder de polícia do Estado
A Vara da Fazenda Pública de Mogi das Cruzes – SP, em decisão recente de 30 de maio de 2013, declarou inconstitucionais disposições da Lei Antifumo de São Paulo que atribuem aos empresários o dever de impedir o fumo em seus estabelecimentos comerciais.
A Lei Estadual paulista nº 13.541/2009, popularmente conhecida como Lei Antifumo, proibiu o consumo de cigarros e similares em ambientes de uso coletivo, transferindo aos responsáveis pelos recintos a obrigação de vigiar e impedir, com o auxílio de força policial, se necessário, o fumo em seus estabelecimentos, sob pena de multa.
Seguindo a determinação da lei, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo autuou e multou uma padaria de Mogi das Cruzes, na qual dois clientes fumavam em área restrita, debaixo do toldo da entrada, com as portas abertas, sem barreiras de contenção da fumaça. Tal multa converteu-se em dívida ativa questionada judicialmente pela padaria.
Em decisão inolvidável, o auto de infração e a multa imposta foram anuladas pelo juiz Bruno Machado Miano, da Vara da Fazenda Pública do município, sob a fundamentação de inconstitucionalidade da Lei Antifumo.
Conforme decidido pelo magistrado, a Lei Antifumo viola direitos constitucionais ao transferir a empresários a fiscalização do cumprimento da lei. Ao impor ao empresário a obrigatoriedade de retirar o fumante que desrespeitar a norma de seu estabelecimento comercial, o legislador estadual delegou a particular o seu Poder de Polícia.
Entretanto, em consonância com o secular regime das Liberdades Públicas, somente aos agentes do Estado devem ser atribuídos os deveres de fiscalização da Lei.  Nas palavras do magistrado, “não é possível, em nome do respeito a direitos arduamente conquistados – como a Liberdade e a Propriedade – que o Estado transfira seu Poder de Polícia a particulares, para que o empresário comercial fiscalize liberdades”.
O serviço público de Vigilância Sanitária não pode ser executado por particular, seja por falta de previsão legal, seja pela irrazoabilidade da medida. O Estado não pode terceirizar um poder que deve ser exercido em prol de todos, exigindo prestações positivas sem contraprestação. Cabe à Administração Pública, em suma, o dever de executar as leis administrativas, através de seus órgãos e agentes, abastecidos com dinheiro decorrente dos tributos.
Pelo que se afere na fundamentação da decisão, viola o sistema jurídico brasileiro uma lei estadual impor ao particular uma atuação toda vez que presenciar determinado ilícito administrativo; uma vez que o Código de Processo Penal não obriga o particular a agir quando do cometimento de um ilícito penal por outro particular. Criam-se, portanto, obrigações mais severas (ter que retirar o fumante do estabelecimento) quando ocorrentes condutas não punidas como crime – fumar não é crime!
Da mesma forma, um ilícito administrativo (fumar em ambientes de uso coletivo) não pode ter sua punição transcendendo a pessoa daquele que comete o ilícito. Isto é, o empresário não pode ter seu patrimônio afetado, nem sofrer autuação administrativa, por uma infração cometida por outro particular.
Segundo o magistrado, a Lei Antifumo é de índole totalitária, “no seu afã de criar um fato politicamente correto (essa tendência do Estado em ser babá de todos os cidadãos)”, impõe-se a concidadãos uma obrigação de força, como a retirada de um igual de seu estabelecimento comercial. Não obstante, ato de força, de império, deve ser praticado exclusivamente pela Administração Pública, em decorrência de sopesados ditames constitucionais.
Cumpre salientar, entretanto, que tal decisão ainda é passível de recurso, instando ao Tribunal de Justiça de São Paulo manifestar-se novamente a respeito. Em setembro de 2010, os desembargadores da 7ª Câmara de Direito Público do TJ-SP negaram, por unanimidade, recurso da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, no qual se pleiteava a não incidência de autuação ou de multa aos associados pelo descumprimento da Lei Antifumo.
Por fim, aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade de lei paranaense similar à lei antifumo paulista, na qual se questiona a constitucionalidade de leis estaduais vedarem o consumo de cigarros em ambientes coletivos, ao passo que a lei federal (Lei 9.294/96) permite o uso em áreas de fumódromos, destinadas exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente.