segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Auxilio acidente e alimentação não são considerados em cálculo de pensão alimentícia.

Auxílios acidente e alimentação não são considerados 


em cálculo de pensão alimentícia 


Em: 20/12/2013 Fonte: Superior Tribunal de Justiça.

Verbas indenizatórias, como os auxílios de acidente, alimentação e cesta básica, não podem ser consideradas no cálculo de pensão alimentícia. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A questão chegou ao STJ após decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) que considerou que o percentual fixado a título de pensão alimentícia deve incidir sobre todas as verbas que representam parcelas remuneratórias ordinárias.
De acordo com a decisão de segunda instância, “a gratificação de quebra de caixa, o auxílio-acidente, o vale-alimentação e o vale-cesta representam parcelas remuneratórias ordinárias, incorporáveis à remuneração do trabalhador para todos os efeitos, quer porque possuem o atributo da obrigatoriedade de pagamento decorrente de lei, quer porque não possuem o caráter transitório”.
Caráter habitual
Ao analisar o recurso, o ministro Villas Bôas Cueva, relator do processo no STJ, esclareceu que os alimentos incidem sobre valores pagos em caráter habitual e não sobre aqueles que se equiparem a verbas indenizatórias.
Segundo o ministro, “a verba alimentar apenas incide sobre vencimentos, salários ou proventos, valores auferidos pelo devedor no desempenho de sua função ou de suas atividades empregatícias, decorrentes dos rendimentos ordinários do devedor, motivo pelo qual se excluem as verbas indenizatórias e os descontos obrigatórios (previdenciário e Imposto de Renda) da sua base de cálculo”.
Indenizações
Villas Bôas Cueva afirmou que a legislação é clara ao estabelecer o caráter indenizatório das verbas citadas no recurso. O auxílio-acidente está descrito tanto na Constituição Federal quanto na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99. É o valor pago quando lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza resultem em sequela definitiva que comprometa a capacidade laboral, e equivale a 50% do salário de benefício, mas deixa de ser pago após a aposentadoria.
O mesmo pode ser dito do vale-alimentação e do vale-cesta. A determinação desses auxílios está descrita no Decreto 5/91, que regulamenta o PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador (Lei 6.321/76).
“A parcela paga in natura pela empresa não tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração para qualquer efeito, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço nem se configura como rendimento tributável do trabalhador”, disse o ministro.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O CRIME DE DENUNCIAÇÃO NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - Rômulo de Andrade Moreira

O CRIME DE DENUNCIAÇÃO NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA -  Por  Rômulo de Andrade Moreira


SUMÁRIO: 1. Considerações preliminares. 2. O crime de denunciação caluniosa. 3. O conflito aparente de normas penais. 4. Crime e infração político-administrativa. 5. O elemento subjetivo do injusto. 6. O dolo eventual. 7. Conclusão. 8. Referências bibliográficas.

RESUMO: A primeira questão a ser dirimida neste trabalho diz respeito a um aparente conflito de normas penais entre o dispositivo ora comentado e o art. 339 do Código Penal que trata do crime de denunciação caluniosa. Com efeito, a denunciação caluniosa está descrita como sendo a conduta de dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime que o sabe inocente. Ao final, concluímos que sequer o dolo eventual é aceito para a configuração do delito; logo, a simples dúvida quanto à inocência do acusado afasta a tipicidade.

PALAVRAS-CHAVES: O crime de denunciação caluniosa. O conflito aparente de normas penais. Crime e infração político-administrativa. O elemento subjetivo do injusto. O dolo eventual.

RESUMEN: La primera cuestión que resolver en este trabajo se refiere a un conflicto aparente de normas penales entre el dispositivo ahora comentado y art. 339 del código penal brasileño que trata del delito de denunciación difamatoria. Con efecto, la denunciación difamatoria se describe como la conducta que causa una investigación policial, procedimientos judiciales, administrativos o una investigación civil contra una persona inocente. Al final, descubrimos que el dolo eventual no es aceptado para la configuración de la infracción; por lo tanto, las meras dudas sobre la inocencia del acusado ya se desvía de la tipicidade penal.

PALABRAS CLAVES: Denunciación difamatoria crimen. Conflicto Aparente de Normas Penales . La delincuencia y la infracción político administrativo. El elemento subjetivo del injusto. El dolo eventual.

Dispõe o art. 19 da Lei nº. 8.429/92 que “constitui crime a representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe inocente.” O delito é apenado com detenção de seis a dez meses e multa. Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo (Lei nº. 9.099/95), portanto, sujeita à composição civil dos danos (art. 74) e à transação penal (art. 76), além, obviamente, da suspensão condicional do processo (art. 89). O rito a ser observado será o sumariíssimo (art. 394, § 1º., III do Código de Processo Penal).
O parágrafo único deste artigo prevê que, “além da sanção penal, o denunciante está sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado.” A propósito, conferir o art. 387, IV do Código de Processo Penal (c/c art. 63, parágrafo único).
Segundo o art. 20, “a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.” Antes, porém, “a autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.” (parágrafo único). Trata-se aqui, à evidência, de medida excepcional e de natureza eminentemente cautelar e instrumental; deve ser fundamentada e demonstrar inequivocadamente a necessidade para a conveniência da instrução criminal.
Ademais, “a aplicação das sanções previstas nesta lei independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público ou da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.” (art. 21).
Por fim, no art. 22, estabelece-se que “para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.”
Pois bem.
A primeira questão a ser dirimida neste trabalho diz respeito a um aparente conflito de normas penais entre o dispositivo ora comentado e o art. 339 do Código Penal que trata do crime de denunciação caluniosa.
Com efeito, a denunciação caluniosa, também chamada de “calúnia qualificada[2], está descrita como sendo a conduta de dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime que o sabe inocente.
Sem dúvidas, trata-se de figuras penais bem semelhantes do ponto de vista dos elementos do tipo; nada obstante, estamos com aqueles que entendem que ambos os delitos subsistem autônomos em nosso ordenamento jurídico.
Observa-se que o núcleo do tipo penal previsto no art. 339 “é provocar a ação de autoridade, para isso comunicando-lhe a existência de infração penal que não ocorreu[3]; tem como objetividade jurídicaregular a administração da justiça, que deve ficar a salvo de falsas imputações de crime. Protege-se, também a liberdade e a honra daquele que poderá se objeto de investigações ou acusado de crime que não praticou.[4]

Ora, o fato de alguém oferecer uma “representação por ato de improbidade contra agente público ou terceiro beneficiário”, somente será idôneo para caracterizar a denunciação caluniosa se o procedimento administrativo for efetivamente instaurado e se se tratar de imputação de crime. Atente-se que o art. 339 refere-se à comunicação da existência de infração penal, enquanto o art. 19 trata de ato de improbidade administrativa, e é sabido que os atos de improbidade administrativa não são necessariamente ilícitos penais; podem ser infrações de outra natureza (civil, administrativa ou política).

                                                           Maria Sylvia Zanella di Pietro esclarece que “a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüência na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário.”[5] Aliás, o art. 37, § 4º. da Constituição Federal é expresso no sentido de que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (grifo nosso). Observa-se que o próprio texto constitucional nitidamente faz a distinção.

Observa-se que o conceito de infração penal (crime e contravenção) é dado pela Lei de Introdução ao Código Penal que define crime como sendo “a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” (art. 1o. do Decreto-Lei n. 3.914/41).

                                                           Estas definições, por se encontrarem na Lei de Introdução ao Código Penal, evidentemente regem e são válidas para todo o sistema jurídico–penal brasileiro, ou seja, do ponto de vista do nosso Direito Positivo quando se quer saber o que seja crime ou contravenção, deve-se ler o disposto no art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal.

                                                           O mestre Hungria já se perguntava e ele próprio respondia:

Como se pode, então, identificar o crime ou a contravenção, quando se trate de ilícito penal encontradiço em legislação esparsa, isto é, não contemplado no Código Penal (reservado aos crimes) ou na Lei das Contravenções Penais? O critério prático adotado pelo legislador brasileiro é o da “distinctio delictorum ex poena” (segundo o sistema dos direitos francês e italiano): a reclusão e a detenção são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a prisão simples a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa não é jamais cominada isoladamente ao crime.[6]

Por sua vez, Tourinho Filho afirma:

Não cremos, data venia, que o art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal seja uma lex specialis. Trata-se, no nosso entendimento, de regra elucidativa sobre o critério adotado pelo sistema jurídico brasileiro e que tem  sido preferido pelas mais avançadas legislações; (...) Veja-se, no particular, Marcelo Jardim Linhares, Contravenções penais, Saraiva, 1980, v. 3, p. 781: ´Assim, quando a infração eleitoral é apenada com multa, estamos em face de uma contravenção´.[7]

Manoel Carlos da Costa Leite também trilha na mesma linha, afirmando:

No Direito brasileiro, as penas cominadas separam as duas espécies de infração. Pena de reclusão ou detenção: crime. Pena de prisão simples ou de multa ou ambas cumulativamente: contravenção.[8]

Eis outro ensinamento doutrinário:

Como é sabido, o Brasil adotou o sistema dicotômico de distinção das infrações penais, ou seja, dividem-se elas em crimes e contravenções penais. No Direito pátrio o método diferenciador das duas categorias de infrações é o normativo e não o ontológico, valendo dizer, não se questiona a essência da infração ou a quantidade da sanção cominada, mas sim a espécie de punição.[9]

Luiz Flávio Gomes afirma: “Por força do art. 1o. da Lei de Introdução ao Código Penal, infração punida tão-somente com multa é contravenção penal (não delito).[10]

                                                           Ocorre que determinados tipos elencados na Lei de Improbidade Administrativa não são infrações penais, mas infrações político-administrativas. Por exemplo: o art. 11, II da Lei de Improbidade não constitui ilícito penal; já o disposto no mesmo artigo, inciso III, além de constituir o ilícito civil, configura também o tipo penal previsto no art. 325 do Código Penal (violação de sigilo funcional). Neste caso, teremos uma ação civil pública e uma ação penal pública, sem que se possa falar, evidentemente, em bis in idem, pois se tratam de instâncias independentes, com sanções de diversa natureza.

                                                           Destarte, quando a denunciação tiver por objeto uma infração penal estaremos diante do delito tipificado no Código Penal; tratando-se “apenas” de um ato de improbidade (sem caráter penal), aplica-se a lei especial (art. 19).[11]

                                                           Neste sentido, afirma Cezar Roberto Bitencourt:

                                                           “Assim, nada impede que alguém atribua, falsamente, a algum agente público a prática de ato de improbidade administrativa que, no entanto, não seja tipificado como crime. Nesse caso, esse alguém incorre na previsão do art. 19 da Lei nº. 8.429/92; contudo, quando a representação, de qualquer forma, imputar, falsamente, a prática de ato de improbidade administrativa que, ao mesmo tempo, seja definido como crime incorrerá na previsão do art. 339 do Código Penal.”[12]

                                                           Assim também pensa Delmanto, para quem este art. 19 “só terá aplicação quando o ato de improbidade constituir apenas infração administrativa; se o ato de improbidade constituir crime, aplica-se o art. 339.”[13]

                                                           Mas não é só.

Induvidosamente, para a configuração do crime previsto no art. 19 da lei especial, faz-se indispensável a demonstração de se provar o elemento subjetivo do tipo, consubstanciado no conhecimento da inocência do representado, ou seja, mister que o autor tenha consciência (certeza) que o ato de improbidade administrativa por ele imputado ao terceiro não foi por este cometido, ou que sequer tenha existido.

                                                           Pelo princípio inafastável da reserva legal urge que a inocência de quem foi representado seja do conhecimento prévio do representante. A convicção da inocência integra o elemento subjetivo do tipo penal, sem o qual este não se configura (observa-se que o dolo é parte integrante do tipo penal, o que vale dizer que sem ele nãocrime – neste delito não há a forma culposa).

                                                           Assim, o agente deve saber que o representado é inocente, seja porque não foi o autor do ato ímprobo, seja porque este ato sequer existiu. A certeza moral da inocência é elemento indispensável à configuração do delito. Mutatis mutandis, podemos perfeitamente citar em reforço a esta afirmação os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

                                                           “Para a configuração do delito previsto no art. 339 do Código Penal, é mister que a imputação seja objetiva e subjetivamente falsa, exigindo-se do sujeito ativo a certeza quanto à inocência daquele a quem atribui a prática do ilícito penal. No caso, pela leitura da denúncia e das peças que a embasaram, sem que haja a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, não se vislumbra suficientemente demonstrado o dolo do paciente, consubstanciado no deliberado intento de imputar crime àquele que sabe ser inequivocamente inocente.” (STJ – 6ª T. – HC 109.658 – rel. p/acórdão Og Fernandes – j. 17.03.2009 – DJU 04.05.2009).

                                                           “Não se pode falar em denunciação caluniosa quando o acusado tinha motivos veementes para crer em prática delituosa, por parte do denunciante. Trancamento da ação penal que se impõe, visto descaracterizado o tipo penal que é o dolo direto pela certeza do agente, da inocência do imputado (art. 339, do CP).(HC 3795/SP – 5ª. Turma, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJU 26.02.96, p. 4.026).

                                                           No mesmo sentido:

                                                           “Para a configuração da denunciação caluniosa é necessário que o agente saiba, sem qualquer dúvida, que a acusação é falsa. O dolo eventual não basta. O simples estado de dúvida afasta a tipicidade do delito.” (TJSP – Ver. – Rel. Marino Falcão – RT 612/288).

                                                           “Para a configuração da denunciação caluniosa torna-se necessária a certeza moral da inocência do acusado. E quem procede na dúvida de ser, ou não, verdadeira a acusação, não incorre nesse delito.” (TJSP – HC – Rel. Felizardo Calil – RJTJSP 65/298).

                                                           “Crime de denunciação caluniosa cuja existência – elementar para a justa causa – depende, lógica e juridicamente, da extinção formal da investigação criminal ou do processo penal com a expressa conclusão que o autor da notícia crime sabia ser inocente o apontado suspeito. Impossibilidade de o Ministério Público apoiar-se na investigação original, fruto de notícia da paciente, para denunciá-la pelo crime do artigo 399 do Código Penal, sem que esta mesma investigação haja sido concluída formalmente com o arquivamento pelo reconhecimento da existência dos fatos informados. Manifesta ilegalidade que importa em procedência do pedido na ação de habeas corpus para extinguir o processo criminal em face da paciente por falta de justa causa” (TJRJ– 5ª C. - HC 2008.059.07867 – rel. Geraldo Prado – j. 18.12.2008).  

                                                           “No tipo subjetivo da denunciação caluniosa, exige-se tenha o agente plena certeza quanto à inocência da pessoa visada na imputação, que pode muito bem resultar na subjacência de interesses em conflito dos envolvidos e a explicar o móvel da iniciativa.” (TJSP – AC – Rel. Gonçalves Nogueira – JTJ-Lex 176/310).

                                                           “O crime de denunciação caluniosa exige que o agente impute falsamente a alguém a prática de um delito (real ou fictício), tendo plena ciência de sua inocência, devendo, com isso, causar a instauração de investigação policial ou ação judicial contra a pessoa. Não exige o tipo penal a instauração de processo administrativo em sentido estrito, contraditório destinado à apuração de faltas  disciplinares, mas sua mera investigação – correlatamente à investigação criminal pelo Inquérito Policial. (...) O arquivamento posterior dessas investigações, antes da fase contraditória administrativa, não é causa firmadora do tipo penal do art. 339 CP, mas justamente indício da falsidade dos fatos imputados. Presentes esses elementos, verifica-se a tipicidade em tese do fato, sendo devido o  prosseguimento da ação penal” (TRF 4ª R. - 7ª T. - HC 2009.04.00.004318-0 rel. Néfi Cordeiro – j. 03.03.2009 – DJU 11.03.2009). 


                                                           Aliás, tal posicionamento pretoriano não é de agora, poisa jurisprudência, de longa data, vem entendendo ser necessária a prova do elemento subjetivo do injusto, para que haja processo e, se for o caso, condenação por denunciação caluniosa.(TJSP – HC – Rel. Weiss de Andrade – RT 490/306).

                                                           Veja-se a lição de Damásio de Jesus, válida também para o art. 19 da Lei de Improbidade Administrativa:

                                                           “Nãodelito quando o sujeito apenas tem dúvida a respeito da existência do crime ou de sua autoria. A figura típica requer que tenha plena certeza da inocência da vítima.”[14]

                                                           Conclui-se, portanto, que sequer o dolo eventual é aceito para a configuração do delito; logo, a simples dúvida quanto à inocência do acusado afasta a tipicidade. Repita-se: para que se configure o delito do art. 19 necessário este elemento subjetivo, que representa o dolo (não bastando o eventual), “até porque claros os termos da lei, referindo-se a imputação falsa, feita de má-fé.”[15]

                                                          
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Vol. 5, São Paulo: Saraiva, 2007.

CUNHA, Rogério Sanchez. Direito Penal, Vol. 3, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

FERRARI, Eduardo Reale. As Infrações Penais Previstas na Lei Pelé. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 109, dezembro/2001.

SANTOS, Christiano Jorge, As Infrações Penais Previstas na Lei Pelé, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 109, dezembro/2001.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho, Processo penal, Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed.

HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed.

JESUS, Damásio de. Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 2004.

LEITE, Manoel Carlos da Costa. Manual das Contravenções Penais, São Paulo: Saraiva, 1962.

MALULY, Jorge Assaf. Denunciação Caluniosa, Rio de Janeiro: AIDE, 2001.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito PenalParte Especial, volume 03, 9ª. Ed., São Paulo: Editora Atlas, 1996.

NORONHA, Magalhães. Direito Penal, Vol. IV, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1988.

PIRES, Ariosvaldo de Campos, Compêndio de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1992.

PRADO, Luiz Régis, Curso de Direito Penal Brasileiro, Vol. 4, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

STOCO, Rui. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.





[1] Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça na Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por três vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm, do Curso IELF, da Universidade Jorge Amado e da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.
[2] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito PenalParte Especial, volume 03, 9ª. Ed., São Paulo: Editora Atlas, 1996, p. 381.
[3] NORONHA, Magalhães. Direito Penal, Vol. IV, 20ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 160.
[4] Idem, p. 381.
[5] Ob. cit., p. 678.
[6] Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., p. 39.
[7] Processo penal, Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., p.p. 212-213.
[8] Manual das Contravenções Penais, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 03.
[9] FERRARI, Eduardo Reale e SANTOS, Christiano Jorge, As Infrações Penais Previstas na Lei Pelé, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 109, dezembro/2001.
[10] Em sentido contrário, apregoando a revogação do art. 19 por força da alteração posterior feita no art. 339 pela Lei nº. 10.028/2000, podemos citar MALULY, Jorge Assaf. Denunciação Caluniosa, Rio de Janeiro: AIDE, 2001, p. 43. Também STOCO, Rui. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2007, p. 1657.
[11] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 110, janeiro/2002.
[12] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, Vol. 5, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 272. No mesmo sentido, PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro, Vol. 4, São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2001, p. 621; também podemos citar CUNHA, Rogério Sanchez, Direito Penal, Vol. 3, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 430.
[13] DELMANTO, Celso, e outros. Código Penal Comentado, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 693. Conferir no mesmo sentido, JESUS, Damásio de. Código Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 2004. Complementa, com acerto, Damásio que se o objeto da denunciação “configura somente ato meramente infracional, não possuindo natureza ímproba nem criminosa”, trata-se de fato atípico. (p. 1074).
[14] Direito Penal, Vol. IV, São Paulo: Saraiva, 2ª. ed., 1989, p. 229.
[15] PIRES, Ariosvaldo de Campos, Compêndio de Direito Penal, Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 393.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Entenda o que muda com o Marco Civil da Internet

Entenda o que muda com o Marco Civil da Internet

A nova legislação implicará mudanças tanto para os usuários quanto para os provedores. Confira os pontos que causam polêmica e dificultam a aprovação.
O Marco Civil da Internet, espécie de “Constituição” do mundo virtual, tramita em regime de urgência na Câmara. A aprovação do Projeto de Lei 2126/11, do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), mudará a relação dos provedores mas também a dos próprios usuários com a internet.
O texto desse PL foi finalizado no final de 2012, após a realização de audiências públicas em todo o Brasil e depois de receber sugestões de todo tipo em plataformas como o Twitter e o portal e-Democracia, da Câmara dos Deputados. Após polêmicas, essa versão sofreu algumas modificações e, agora, está em votação na Câmara.
Mas o que muda na sua vida se houver a aprovação dessa lei e de que forma ela atinge outras áreas do Direito, como as relações com o consumidor? Para entender essa questão, o MeuAdvogado entrevistou o advogado Victor Haikal, sócio do Patrícia Peck Pinheiro Advogados, principal escritório brasileiro na área de Direito Digital. Confira os temas envolvidos na aprovação do Marco Civil.

Quais são os pontos de maior destaque do Marco Civil da internet?
Segundo Victor Haikal, os pontos que mais chamam a atenção são a neutralidade da rede e a responsabilidade civil na internet. Sobre o primeiro aspecto, significa que todas as informações que trafegam na rede devem ser tratadas da mesma forma, navegando a mesma velocidade. É esse princípio que garante o livre acesso a qualquer tipo de informação na internet. O advogado afirma que o texto proíbe que provedores de internet discriminem certos serviços em detrimento de outros. Isso protege o usuário de ter sua velocidade de conexão diminuída baseada nos interesses econômicos da empresa com a qual possui o plano. “É princípio do funcionamento da rede o fornecimento do serviço de forma igualitária para todos os usuários”, destaca Haikal.
No segundo aspecto, ele explica que quando algum usuário envia um conteúdo, por exemplo, em uma plataforma de rede social, ele é o principal responsável pelos danos que o comentário causar. Mas, com o Marco Civil, a retirada do conteúdo pode demorar mais. “Pelo entendimento da jurisprudência hoje, se um provedor de conteúdo for notificado que existe um conteúdo ilegal ou que está causando dano a alguma pessoa, ele precisa tomar uma providência em até 24h. Caso contrário, ele passa a responder de forma solidária com aquele que enviou o conteúdo malicioso ou que está ferindo direitos de terceiros. Com o Marco Civil da internet, só vai existir a responsabilização do provedor caso exista ordem judicial e ela não seja cumprida. Eu acredito que o reflexo imediato é o inchaço do Poder Judiciário”.

Como fica a privacidade dos usuários com a guarda de logs, ou seja, das informações pessoais nos sites navegados?
O projeto do Marco Civil da Internet obriga que os registros de conexão dos usuários devem ser guardados pelos provedores de acesso pelo período de um ano, sob total sigilo e em ambiente seguro. Essas informações dizem respeito apenas ao IP, data e horas inicial e final da conexão. Além disso, o texto faculta aos provedores a guarda de registros de Acesso a Aplicações de Internet - que ligam o IP ao uso de aplicações da internet.
O Marco Civil estabelece que a guarda de registros seja feita de forma anônima. Ou seja, os provedores poderão guardar o IP, nunca informações sobre o usuário. A disponibilização desses dados, segundo o texto, só poderá ser feita mediante ordem judicial.
Victor Haikal aponta um problema nesse ponto. "A lei determina como facultativa a guarda de logs. O que significa dizer que, se uma plataforma de rede social não quiser guardar, fica impossível rastrear o verdadeiro autor de um post malicioso ou de um conteúdo que causa danos a terceiros. Então, muitas críticas foram feitas nesse sentido, porque você cria uma possível prática de atos sob anonimato. Isso gera uma situação de insegurança jurídica, sendo que isso deveria ser combatido", ressalta.
Para o advogado, a guarda de logs deveria ser obrigatória. Pela forma como está redigido o Marco Civil, a gravação dessas informações só seria exigida dos provedores após um mandado judicial. Contudo, fica impossível rastrear o responsável pelo crime se a pessoa que produziu o conteúdo ilegal não fizer um novo login e voltar a utilizar o mesmo site.

O Marco Civil determina o fim do marketing dirigido?
O marketing dirigido ocorre quando sites utilizam dados de navegação do usuário para disponibilizar conteúdos exclusivos, que têm maiores possibilidades de atrair a atenção dele. Hoje, isso é feito com objetivos comerciais, como para publicidade, nos moldes do que Facebook e Google utilizam para enviar anúncios aos seus usuários de acordo com as mensagens que trocam. O Marco não permitirá, por exemplo, a formação de bases de clientes para isso.
Segundo Haikal, o importante, na verdade, é manter uma relação transparente com o usuário. "É importante que exponha para os usuários a forma como os dados vão ser utilizados. Que tipo de dados coletará, como serão as combinações de dados, com qual finalidade, se eles serão compartilhados com terceiros, se a base de dados pode ser vendida. Quanto mais transparente for essa relação, melhor. É isso o que o Marco Civil da internet diz", informa o advogado.
Se a empresa não deixar isso claro, poderá sofrer punições previstas no Código de Defesa do Consumidor. Pode ser uma advertência ou multa de até aproximadamente 3 milhões de reais, segundo Victor.
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Recentemente, adolescentes cometeram suicídio após vídeos íntimos serem divulgados na internet. O Marco Civil influenciará de alguma forma punições para esse tipo de prática?
O advogado afirma que é essencial frisar que "todo usuário que assina um serviço que não tem uma sede no Brasil está sujeito à legislação internacional". Isso significa que, mesmo com o Marco Civil em vigor, o rastreio seria difícil. Contudo, o número de telefone do usuário que enviou o conteúdo já é uma forte prova de autoria, o que o coloca como principal suspeito pelos danos causados e, com isso, ajuda o juiz analisar se ele tem participação ou não naquilo. Mas, ainda assim, é uma situação difícil de lidar, já que as empresas estão fora do país.

O que tem causado dificuldade para a aprovação do Marco Civil?
A futura "Constituição da internet" tem enfrentado algumas dificuldades para sua aprovação. Mesmo em regime de urgência, a votação foi adiada algumas vezes na Câmara. Entre os empecilhos está a pressão das empresas de telecomunicação. Elas alegam que alguns dispositivos, como a neutralidade da rede, causarão prejuízos em seus serviços.
Para o advogado, as empresas estão erradas nessa alegação e ainda ferem o Plano Nacional de Banda Larga, que determina o acesso à internet de forma igualitária. Da forma como trabalham hoje, as empresas se aproveitam da rede de uma forma que prejudica os usuários.

A aprovação poderá causar conflitos de interesses entre o Brasil e outros países?
O advogado Victor Haikal acredita que é possível gerar alguns conflitos de interesse. Isso porque empresas de outros locais deverão seguir a lei brasileira quando seus serviços forem utilizados no Brasil. Ele ainda lembrou um caso em que o Google teve problemas com a legislação chinesa.