terça-feira, 12 de agosto de 2014

DIREITO CONTRATUAL

Direito contratual

O direito contratual e suas várias vertentes aplicáveis as diversas áreas do direito, tem sido objeto muito estudo pelos militantes no direito civil, objetivando abordar as frequentes alterações frente a doutrina e jurisprudência atual.

Sabemos que é por meio das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, assim, através do direito das obrigações se estabelece também a autonomia da vontade entre os particulares na esfera patrimonial.
Podemos afirmar que o direito das obrigações exerce grande influência na vida econômica, em razão da inegável constância das relações jurídicas obrigacionais no mundo contemporâneo. Intervém o direito contratual na própria vida econômica, principalmente, nas relações de consumo, sob diversas modalidades e na distribuição dos bens.
Podemos conceituar o contrato como uma espécie do gênero negócio jurídico que possui natureza bilateral e pelo qual as partes se obrigam a dar, restituir, fazer ou não fazer alguma coisa.
Consideramos que o Código Civil brasileiro de 1916 recebeu forte influência da legislação francesa, inspirado no liberalismo, valorizando o indivíduo, a liberdade e a propriedade. A base contratual que se pautou o diploma civil de 1916 observou características individualistas, observando apenas uma igualdade formal, fazendo lei entre as partes (pacta sunt servanda). Segundo tal diploma legal, ficava assegurada a imutabilidade contratual e os contraentes celebravam livremente um acordo que deveria ser absolutamente respeitado.
Todavia a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou a ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios, cláusulas abusivas e má-fé.
Com o advento do Código de 2002, houve um rompimento do aspecto individualista. Os novos dispositivos legais deste Código passam a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Entendemos, portanto, ser incompatível o Código de 2002 com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações do séc. XVIII, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
2 A extinção da relação contratual no Direito Civil
O Código Civil brasileiro cuidou deste assunto no Título V, do Capítulo II, denominado de “Extinção do Contrato” que é dividido em quatro seções: distrato, cláusula resolutiva, execução do contrato não cumprido e resolução por onerosidade excessiva.
Primeiramente, será preciso indagar: por que o Código utiliza a expressão extinção? Porque o contrato está inserido no contexto do direito das obrigações e este, por sua vez, trata de um direito pessoal com caráter transitório, sendo assim, uma vez cumprida a obrigação a mesma se extingue, já que é um direito provisório.
Indicaremos, neste breve estudo, alguns caminhos que levam à extinção contratual. Todavia, demonstraremos que a inovação do Código Civil é dirigir a liberdade de contratar nos limites e em razão da função social do contrato, que deve ser concluído e executado de forma socialmente responsável a fim de garantir o equilíbrio social.
Propomos, diante das disposições do Código Civil de 2002, a seguinte classificação para as formas de extinção dos contratos: 1) Extinção normal; 2) Extinção por vício; 3) Extinção por resilição; 4) Extinção por resolução.
A extinção normal decorre do cumprimento direto da obrigação, a extinção por vício ocorrerá por nulidade ou anulabilidade do negócio obrigacional firmado entre as partes, já a extinção por resilição poderá ser bilateral ou unilateral e depende unicamente da vontade dos contratantes. A resolução refere-se à inexecução culposa ou involuntária do acordado.
A resolução opera a finalização do contrato por descumprimento das obrigações por uma das partes ou de ambas, seja por culpa sua, seja por ato estranho à sua vontade (caso fortuito, força maior e onerosidade excessiva).
O conceito de resolução está ligado a uma perturbação da prestação com a conseqüente desvinculação da parte adimplente como fruto dessa mesma quebra ou frustração do fim contratual (PROENÇA, 2006, p. 13). Não se pode, pois, aproximar os conceitos resolução, revisão e extinção.
Indicamos, neste ponto, a divergência existente em nosso ordenamento jurídico quanto à possibilidade de resolução do contrato nos casos do artigo 478 do Código Civil, já que parte da doutrina entende ser mais aconselhável a revisão.
A solução mais coerente parece ser a análise do julgador em cada caso concreto, ou seja, optar por permanecer com a contratação, proporcionando apenas a correção mais justa em determinadas situações, e, em outras, optar pela resolução contratual, em razão dos prejuízos serem maiores, tornando-se insubsistente a possibilidade de manter a relação jurídica obrigacional.
Apreendemos que a onerosidade excessiva, por exemplo, pode ou não ensejar a extinção do contrato, como menciona o artigo 479 do Código Civil ao dispor que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
Neste contexto, a revisão contratual é uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. O fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
Propomos, portanto, que o marco divisório entre a revisão e a extinção contratual deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. A revisão pode se operar para privilegiar a prestação em espécie e, a extinção pode ser suscitada, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Entendemos que o Código Civil de 2002 conserva uma certa confusão conceitual e substancial quanto aos termos extinção e resolução, mas sabendo que o contrato passa por um momento de renovação teórica relacionada à socialização das suas bases e princípios, o que importa em cada caso será apurar e interpretar a intenção das partes.
Julgamos que a socialidade e a conservação do contrato são parâmetros que devem ser seguidos no momento do cumprimento e da execução do negócio jurídico, deverão, portanto, ser observados na revisão ou, até mesmo, na extinção do negócio.
3 A revisão contratual
A possibilidade dos contratantes revisarem os termos previstos em contratos, por via judiciária, surge em razão da possível mutabilidade das relações civis, que são encaradas a partir de uma visão não estanque e sofrem o impacto de todo o contexto social e econômico onde estão inseridas.
Existem situações exteriores ao contrato que podem provocar reações diversas para os contratantes, onerando excessivamente um dos pólos da relação jurídica. Em razão disso, o ordenamento jurídico prevê que a alteração das circunstâncias pode ser suscitada pelo contratante prejudicado por meio da teoria da imprevisão.
Esta alteração passou a ter relevância jurídica no século XII que se traduziu na afirmação da existência da cláusula rebus sic stantibus. Tal cláusula preceitua que um contrato deve se manter em vigor se permanecer o estado das coisas estipuladas no momento da sua celebração.
Entendemos que a teoria da imprevisão consiste na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes torna-se exageradamente onerosa. Dá-se em momento posterior à conclusão do contrato, por isso falamos em desequilíbrio superveniente.
Tal teoria acaba por relativizar o pacta sunt servanda, porque pretende alterar a situação contratual, em virtude de desequilíbrio entre as partes. Por conseqüência, a rebus sic stantibus está implícita em todos os contratos de execução continuada ou diferida e, sendo assim, objetiva manter o contrato nos termos em que a negociação inicialmente se pautou, isto é, sem quaisquer alterações.
Assim, são pressupostos que devem estar presentes no momento da aplicação da teoria da imprevisão: 1) configuração de eventos extraordinários e imprevisíveis; 2) comprovação da onerosidade excessiva que causa a insuportabilidade do cumprimento do acordo para um dos contratantes; 3) que o contrato seja de execução continuada ou de execução diferida.
A respeito do primeiro requisito, entendemos como eventos extraordinários e imprevisíveis aqueles que são totalmente considerados como impossíveis de previsibilidade pelos contratantes, isto é, eventos que se afastam do curso ordinário das coisas, como a variação abrupta do dólar norte-americano em razão da desvalorização ocorrida no Brasil, no ano de 1999, nas obrigações que envolviam entrega de produtos importados.
Neste ponto, gostaríamos de mencionar a intensa divergência jurisprudencial que se faz presente nas doutrinas civis acerca da aplicação da teoria da imprevisão fundada nas alterações da economia (planos econômicos). Em nossa opinião, entendem alguns magistrados, erroneamente, que, quando o país enfrenta planos econômicos, torna-se totalmente previsível a variação do valor expresso no contrato[1]. Pensamos que os planos econômicos provocam desequilíbrio nos contratos. Isso não pode ser desconsiderado no momento da revisão ou resolução contratual.
Já a onerosidade excessiva significa um fato que torna difícil o cumprimento da obrigação na forma ajustada, pois impõe uma desproporção entre a prestação e a contraprestação que, por conseqüência, acabará por provocar uma desvantagem exagerada para um dos contratantes e comprometerá a execução equânime do contrato.
Por fim, o último requisito refere-se aos contratos de duração continuada que são aqueles que se prolongam no tempo, isto é, são contratos de execução sucessiva, ao contrário dos contratos de execução instantânea, que são aqueles em que a prestação é realizada em um só ato. Já os contratos de execução diferida são aqueles que possuem o cumprimento da obrigação num momento futuro, previamente acordado entre as partes, como a entrega de um carro um mês após o pagamento.
Após delimitar todos os requisitos da teoria da imprevisão, indicamos a revisão contratual como uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. Assim, o fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
4 A teoria da imprevisão no Código Civil
A teoria da imprevisão indiscutivelmente tem previsão legal nos artigos 478 e seguintes do Código Civil brasileiro. Todavia, algumas doutrinas consideram que também a teoria encontra guarida no artigo 316. A este respeito, entendemos que o artigo se aplica melhor à cláusula de escala móvel que se refere a uma estipulação dos contratantes quanto à atualização monetária presente nas dívidas estipuladas nas obrigações em pecúnia.
Por outro lado, a teoria da imprevisão só se aplica quando ocorrer fatos supervenientes, imprevisíveis e não imputáveis aos contratantes, com reflexos sobre o objeto ou o valor do contrato, e isso poderá ensejar a sua revisão ou o seu desfazimento.
Precisamos compreender também que muitos autores confundem a teoria da imprevisão com a ocorrência da força maior e do caso fortuito. A força maior e o caso fortuito referem-se ao fato de que a prestação ajustada no negócio jurídico não poderá ser cumprida e o devedor não responderá pelos prejuízos daí resultante, por se tratar de uma hipótese de excludente de responsabilidade (artigo 393). Por outro lado, para os casos do artigo 317 aí sim aplicamos a teoria da imprevisão, nos acordos exeqüíveis a médio ou longo prazo, se uma das partes ficar em nítida desvantagem econômica.
Quando advir motivos imprevisíveis, no curso do contrato, devem as partes recorrer ao juiz, para a devida correção do valor avençado (artigo 317). Um exemplo de oscilações que podem acontecer no decorrer do contrato são as modificações nos preços que geralmente ocorrem nos contratos de mútuo e depósito. Outro exemplo seria o caso das “conseqüências negativas da excessiva onerosidade sobrevinda à parte por força de fator externo, como a ascensão de preço de materiais necessários na edificação de prédio” (BITTAR, 2004, p. 51).
Segue julgado que exemplifica tal situação de motivos imprevisíveis no curso do negócio:
Possibilidade da revisional de aluguéis por aplicação analógica do artigo 49, § 4º, da Lei. 6.649/79, substituído pelos artigos 17, § 1º, da Lei 8.178/91, e 19, da Lei 8.245/91. Homenagem do legislador ao princípio do equilíbrio das prestações entre as partes pactuantes nas locações comerciais residenciais e não residenciais, ensejando a revisão de aluguéis desde que haja alteração das condições econômicas de sorte a provocar defasagem do valor locativo. Recurso conhecido e provido[2].
O artigo 479, que também se refere à teoria da imprevisão, prevê que a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu (contratante que não se encontra numa situação de prejuízo) a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Outro artigo que precisa ser observado ao estudar a teoria da imprevisão é o artigo 480, que dispõe que se no contrato as obrigações corresponderem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou alterada a forma de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Estes dispositivos coadunam com a noção de aproveitamento do negócio jurídico, ao invés de simplesmente descartá-lo em respeito ao princípio da conservação dos contratos, que busca preservar o negócio quando há a possibilidade de seu rompimento. O magistrado deve conservar o contrato já em execução, podendo modificá-lo, segundo critérios de eqüidade e razoabilidade, de modo a torná-lo menos oneroso para uma das partes.
5 A teoria da imprevisão no Código de Defesa do Consumidor
Sabemos que a defesa do consumidor é um princípio informador da ordem econômica (artigo 170, inciso V da CF), além de ser também um direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XXXII da CF. A Constituição Federal e a Lei 8.078/90 têm por objetivo atender as necessidades dos consumidores, “o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo” (NALIN, 2002, p.278).
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) cumpriu um papel relevante ao apontar ser possível um regime contratual não fundado no dogma da vontade, o que parecia ser impossível à luz da civilística pátria como um todo. Porém, não se encontra a Lei 8.078/1990 na centralidade de uma Teoria Geral dos Contratos, até porque essa legislação nada mais fez do que tentar compatibilizar a livre iniciativa massificada e a justiça social.
A relação contratual, no campo da relação de consumo, atende às seguintes características: a) envolve duas partes bem definidas: o adquirente de um produto ou serviço (consumidor) e o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não possuindo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, submete-se ao poder e condições de produtores daqueles mesmos bens e serviços (FILOMENO apud GRINOVER, 2000, p.26).
A teoria da imprevisão também encontra previsão no artigo 6º, inciso V do CDC. Este Código indica duas situações: a primeira no tocante à modificação das cláusulas no caso de prestações desproporcionais; e a segunda relacionada à revisão decorrente de fatos supervenientes que torne a prestação excessivamente onerosa.
A primeira situação refere-se às cláusulas abusivas. Neste ponto, ressaltamos que tal cláusula é um fenômeno que pode ocorrer nos contratos de consumo de modo geral, e não apenas nos contratos de adesão. Concernente a isso, Nelson Nery Junior (2000, p.334) expõe que:
As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer a qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual. O CDC visa proteger o consumidor contra as cláusulas abusivas tout court e não somente o aderente do contrato de adesão.
Alertamos que as cláusulas contratuais abusivas podem estar presentes em qualquer contrato, e não apenas naqueles que se referem ao modelo de adesão. A justificativa básica para essa conclusão reside no fato de que a proteção ao consumidor é premissa constitucional, devendo, assim, ser assegurada em todas as relações jurídicas (DUQUE, 2007, p. 110-111).
O CDC, na segunda situação, regula a cláusula rebus sic stantibus pautada nos seguintes pressupostos: fatos supervenientes e onerosidade excessiva, tendo por conseqüência a revisão do contrato (artigo 6º, inciso V).
Ressaltamos que na relação consumerista, o desequilíbrio contratual pode ser verificado somente com a excessiva onerosidade ao cosumidor, já no Código Civil será também exigida a comprovação da extrema vantagem ao outro contratante. Sendo assim, pelo CDC será suficiente que a prestação seja custosa ao consumidor para que incida a cláusula rebus sic stantibus.
Desta forma, preocupando-se com a manutenção de uma situação que já restou configurada, gerou expectativas e comprometeu o patrimônio do consumidor, deve o magistrado optar pela conservação do negócio jurídico, pois estará em sintonia com os princípios da socialidade e da revisão contratual também no CDC.
Segue exemplo que demonstra a prevalência do princípio da conservação numa relação contratual consumerista de mútuo:
Mútuo realizado entre cooperativa e cooperado comerciante. Relação de consumo inexistente. Contrato. Invalidade de cláusulas não caracterizada. Princípio da conservação do negócio jurídico. 1. Consumidor, nos termos do art. 2º da Lei 8.078, de 1990, é o destinatário final de produto ou serviço. 2. O comerciante cooperado que celebra contrato de mútuo com a sociedade cooperativa não é consumidor, pois o capital mutuado destina-se à produção econômica da atividade dele. 3. Pelo princípio da conservação, o legislador e o aplicador da norma jurídica devem, sempre que possível, preservar o negócio jurídico nos planos da existência, validade e eficácia. 4. Afastada a aplicação da Lei 8.078 de 1990, não sendo concretizada qualquer uma das hipóteses elencadas nos artigos 145 e 147 do Código Civil e com base no princípio da conservação, devem ser tidas como válidas as cláusulas do contrato ajustado entre as partes[3].
No caso acima, é possível depreender que, dada ampla proteção ao consumidor diante da supremacia econômica em que, via de regra, se encontram os fornecedores e produtores de bens e serviços, as referidas regras de interpretação sempre privilegiarão o aderente. No tocante a isso, entendemos a supremacia econômica do fornecedor/produtor em face do consumidor, já que é notória a vulnerabilidade deste último nas relações de consumo.
Devemos em toda interpretação que envolva relações de consumo, reconhecer a vulnerabilidade de um contratante em relação ao outro, de modo que o negócio jurídico venha a sofrer limitações por meio de ações interventivas realizadas pelo Poder Judiciário (DUQUE, 2007, p. 114).
6 Uma nova leitura do direito contratual
Vimos que nos contratos de duração continuada ou de execução diferida poderá ser aplicada a teoria da imprevisão ocorrendo a relativização do princípio do pacta sunt servanda.
A sociedade deve se responsabilizar pela existência social dos seus membros e incentivar o respeito pelos direitos dos consumidores e dos particulares, tudo isso provoca a relativização dos direitos subjetivos com o uso do princípio da função social nas relações privadas[4].
A autonomia da vontade, assim, pode ser mitigada de forma a assegurar o equilíbrio contratual e promover a socialidade nas relações privadas, ainda que o interesse tenha sido inicialmente patrimonial.
Nos contratos que possuem uma duração mais prolongada, o princípio da função social do contrato pretende concretizar a tendência atual de socialização, por via da revisão do negócio. Assim, o aspecto social passa a estar presente em todos os direitos e os deveres criados pelos contratantes que devem ser realizados funcionalmente, mas sem se afastar dos fins econômicos e sociais pelos quais o contrato foi celebrado.
Diante da perspectiva de socialidade, percebe-se que o direito contratual, em face das novas realidades sócio-econômicas, precisou se adaptar e ganhar uma nova função, que, no dizer de Cláudia Lima Marques (2002, p.154) significa a realização da justiça e o equilíbrio contratual.
A boa-fé acolhe um princípio ético, fundado na lealdade, confiança e probidade. Caberá ao juiz constituir a conduta que deveria ter sido tomada pelo contratante levando em conta ainda os usos e costumes (GONÇALVES, 2004, p.36).
A efetividade do princípio da boa-fé deve acompanhar a execução dos contratos, quando configurado o enriquecimento ilícito. A modificação de tal situação deverá obedecer ao juízo de eqüidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfatizamos a necessidade de uma releitura das posições jurídicas ocupadas pelos contratantes. Torna-se incompatível analisar o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações individualistas, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
A questão proposta neste estudo girou em torno da alteração das circunstâncias contratuais. Indicamos a resolução ou revisão contratual como os caminhos a serem seguidos quando uma vez celebrado determinado contrato ocorrer a modificação de suas circunstâncias provocando, assim, situações de onerosidade para uma das partes.
Vivemos o momento de uma renovação teórica do contrato e este momento refere-se à socialização da teoria contratual. Procuramos, a partir do princípio da socialidade associado ao princípio da conservação do contrato, indicar as soluções plausíveis a serem adotadas pelos contratantes, diante do cumprimento do acordo e da redução da onerosidade por via judicial.
Propomos, assim, a observância do marco divisório, então, entre a revisão e a extinção contratual que deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. No primeiro caso, para privilegiar a prestação em espécie e, no segundo caso, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Sabemos que é por meio das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, assim, através do direito das obrigações se estabelece também a autonomia da vontade entre os particulares na esfera patrimonial.
Podemos afirmar que o direito das obrigações exerce grande influência na vida econômica, em razão da inegável constância das relações jurídicas obrigacionais no mundo contemporâneo. Intervém o direito contratual na própria vida econômica, principalmente, nas relações de consumo, sob diversas modalidades e na distribuição dos bens.
Podemos conceituar o contrato como uma espécie do gênero negócio jurídico que possui natureza bilateral e pelo qual as partes se obrigam a dar, restituir, fazer ou não fazer alguma coisa.
Consideramos que o Código Civil brasileiro de 1916 recebeu forte influência da legislação francesa, inspirado no liberalismo, valorizando o indivíduo, a liberdade e a propriedade. A base contratual que se pautou o diploma civil de 1916 observou características individualistas, observando apenas uma igualdade formal, fazendo lei entre as partes (pacta sunt servanda). Segundo tal diploma legal, ficava assegurada a imutabilidade contratual e os contraentes celebravam livremente um acordo que deveria ser absolutamente respeitado.
Todavia a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou a ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios, cláusulas abusivas e má-fé.
Com o advento do Código de 2002, houve um rompimento do aspecto individualista. Os novos dispositivos legais deste Código passam a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Entendemos, portanto, ser incompatível o Código de 2002 com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações do séc. XVIII, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
2 A extinção da relação contratual no Direito Civil
O Código Civil brasileiro cuidou deste assunto no Título V, do Capítulo II, denominado de “Extinção do Contrato” que é dividido em quatro seções: distrato, cláusula resolutiva, execução do contrato não cumprido e resolução por onerosidade excessiva.
Primeiramente, será preciso indagar: por que o Código utiliza a expressão extinção? Porque o contrato está inserido no contexto do direito das obrigações e este, por sua vez, trata de um direito pessoal com caráter transitório, sendo assim, uma vez cumprida a obrigação a mesma se extingue, já que é um direito provisório.
Indicaremos, neste breve estudo, alguns caminhos que levam à extinção contratual. Todavia, demonstraremos que a inovação do Código Civil é dirigir a liberdade de contratar nos limites e em razão da função social do contrato, que deve ser concluído e executado de forma socialmente responsável a fim de garantir o equilíbrio social.
Propomos, diante das disposições do Código Civil de 2002, a seguinte classificação para as formas de extinção dos contratos: 1) Extinção normal; 2) Extinção por vício; 3) Extinção por resilição; 4) Extinção por resolução.
A extinção normal decorre do cumprimento direto da obrigação, a extinção por vício ocorrerá por nulidade ou anulabilidade do negócio obrigacional firmado entre as partes, já a extinção por resilição poderá ser bilateral ou unilateral e depende unicamente da vontade dos contratantes. A resolução refere-se à inexecução culposa ou involuntária do acordado.
A resolução opera a finalização do contrato por descumprimento das obrigações por uma das partes ou de ambas, seja por culpa sua, seja por ato estranho à sua vontade (caso fortuito, força maior e onerosidade excessiva).
O conceito de resolução está ligado a uma perturbação da prestação com a conseqüente desvinculação da parte adimplente como fruto dessa mesma quebra ou frustração do fim contratual (PROENÇA, 2006, p. 13). Não se pode, pois, aproximar os conceitos resolução, revisão e extinção.
Indicamos, neste ponto, a divergência existente em nosso ordenamento jurídico quanto à possibilidade de resolução do contrato nos casos do artigo 478 do Código Civil, já que parte da doutrina entende ser mais aconselhável a revisão.
A solução mais coerente parece ser a análise do julgador em cada caso concreto, ou seja, optar por permanecer com a contratação, proporcionando apenas a correção mais justa em determinadas situações, e, em outras, optar pela resolução contratual, em razão dos prejuízos serem maiores, tornando-se insubsistente a possibilidade de manter a relação jurídica obrigacional.
Apreendemos que a onerosidade excessiva, por exemplo, pode ou não ensejar a extinção do contrato, como menciona o artigo 479 do Código Civil ao dispor que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
Neste contexto, a revisão contratual é uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. O fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
Propomos, portanto, que o marco divisório entre a revisão e a extinção contratual deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. A revisão pode se operar para privilegiar a prestação em espécie e, a extinção pode ser suscitada, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Entendemos que o Código Civil de 2002 conserva uma certa confusão conceitual e substancial quanto aos termos extinção e resolução, mas sabendo que o contrato passa por um momento de renovação teórica relacionada à socialização das suas bases e princípios, o que importa em cada caso será apurar e interpretar a intenção das partes.
Julgamos que a socialidade e a conservação do contrato são parâmetros que devem ser seguidos no momento do cumprimento e da execução do negócio jurídico, deverão, portanto, ser observados na revisão ou, até mesmo, na extinção do negócio.
3 A revisão contratual
A possibilidade dos contratantes revisarem os termos previstos em contratos, por via judiciária, surge em razão da possível mutabilidade das relações civis, que são encaradas a partir de uma visão não estanque e sofrem o impacto de todo o contexto social e econômico onde estão inseridas.
Existem situações exteriores ao contrato que podem provocar reações diversas para os contratantes, onerando excessivamente um dos pólos da relação jurídica. Em razão disso, o ordenamento jurídico prevê que a alteração das circunstâncias pode ser suscitada pelo contratante prejudicado por meio da teoria da imprevisão.
Esta alteração passou a ter relevância jurídica no século XII que se traduziu na afirmação da existência da cláusula rebus sic stantibus. Tal cláusula preceitua que um contrato deve se manter em vigor se permanecer o estado das coisas estipuladas no momento da sua celebração.
Entendemos que a teoria da imprevisão consiste na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes torna-se exageradamente onerosa. Dá-se em momento posterior à conclusão do contrato, por isso falamos em desequilíbrio superveniente.
Tal teoria acaba por relativizar o pacta sunt servanda, porque pretende alterar a situação contratual, em virtude de desequilíbrio entre as partes. Por conseqüência, a rebus sic stantibus está implícita em todos os contratos de execução continuada ou diferida e, sendo assim, objetiva manter o contrato nos termos em que a negociação inicialmente se pautou, isto é, sem quaisquer alterações.
Assim, são pressupostos que devem estar presentes no momento da aplicação da teoria da imprevisão: 1) configuração de eventos extraordinários e imprevisíveis; 2) comprovação da onerosidade excessiva que causa a insuportabilidade do cumprimento do acordo para um dos contratantes; 3) que o contrato seja de execução continuada ou de execução diferida.
A respeito do primeiro requisito, entendemos como eventos extraordinários e imprevisíveis aqueles que são totalmente considerados como impossíveis de previsibilidade pelos contratantes, isto é, eventos que se afastam do curso ordinário das coisas, como a variação abrupta do dólar norte-americano em razão da desvalorização ocorrida no Brasil, no ano de 1999, nas obrigações que envolviam entrega de produtos importados.
Neste ponto, gostaríamos de mencionar a intensa divergência jurisprudencial que se faz presente nas doutrinas civis acerca da aplicação da teoria da imprevisão fundada nas alterações da economia (planos econômicos). Em nossa opinião, entendem alguns magistrados, erroneamente, que, quando o país enfrenta planos econômicos, torna-se totalmente previsível a variação do valor expresso no contrato[1]. Pensamos que os planos econômicos provocam desequilíbrio nos contratos. Isso não pode ser desconsiderado no momento da revisão ou resolução contratual.
Já a onerosidade excessiva significa um fato que torna difícil o cumprimento da obrigação na forma ajustada, pois impõe uma desproporção entre a prestação e a contraprestação que, por conseqüência, acabará por provocar uma desvantagem exagerada para um dos contratantes e comprometerá a execução equânime do contrato.
Por fim, o último requisito refere-se aos contratos de duração continuada que são aqueles que se prolongam no tempo, isto é, são contratos de execução sucessiva, ao contrário dos contratos de execução instantânea, que são aqueles em que a prestação é realizada em um só ato. Já os contratos de execução diferida são aqueles que possuem o cumprimento da obrigação num momento futuro, previamente acordado entre as partes, como a entrega de um carro um mês após o pagamento.
Após delimitar todos os requisitos da teoria da imprevisão, indicamos a revisão contratual como uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. Assim, o fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
4 A teoria da imprevisão no Código Civil
A teoria da imprevisão indiscutivelmente tem previsão legal nos artigos 478 e seguintes do Código Civil brasileiro. Todavia, algumas doutrinas consideram que também a teoria encontra guarida no artigo 316. A este respeito, entendemos que o artigo se aplica melhor à cláusula de escala móvel que se refere a uma estipulação dos contratantes quanto à atualização monetária presente nas dívidas estipuladas nas obrigações em pecúnia.
Por outro lado, a teoria da imprevisão só se aplica quando ocorrer fatos supervenientes, imprevisíveis e não imputáveis aos contratantes, com reflexos sobre o objeto ou o valor do contrato, e isso poderá ensejar a sua revisão ou o seu desfazimento.
Precisamos compreender também que muitos autores confundem a teoria da imprevisão com a ocorrência da força maior e do caso fortuito. A força maior e o caso fortuito referem-se ao fato de que a prestação ajustada no negócio jurídico não poderá ser cumprida e o devedor não responderá pelos prejuízos daí resultante, por se tratar de uma hipótese de excludente de responsabilidade (artigo 393). Por outro lado, para os casos do artigo 317 aí sim aplicamos a teoria da imprevisão, nos acordos exeqüíveis a médio ou longo prazo, se uma das partes ficar em nítida desvantagem econômica.
Quando advir motivos imprevisíveis, no curso do contrato, devem as partes recorrer ao juiz, para a devida correção do valor avençado (artigo 317). Um exemplo de oscilações que podem acontecer no decorrer do contrato são as modificações nos preços que geralmente ocorrem nos contratos de mútuo e depósito. Outro exemplo seria o caso das “conseqüências negativas da excessiva onerosidade sobrevinda à parte por força de fator externo, como a ascensão de preço de materiais necessários na edificação de prédio” (BITTAR, 2004, p. 51).
Segue julgado que exemplifica tal situação de motivos imprevisíveis no curso do negócio:
Possibilidade da revisional de aluguéis por aplicação analógica do artigo 49, § 4º, da Lei. 6.649/79, substituído pelos artigos 17, § 1º, da Lei 8.178/91, e 19, da Lei 8.245/91. Homenagem do legislador ao princípio do equilíbrio das prestações entre as partes pactuantes nas locações comerciais residenciais e não residenciais, ensejando a revisão de aluguéis desde que haja alteração das condições econômicas de sorte a provocar defasagem do valor locativo. Recurso conhecido e provido[2].
O artigo 479, que também se refere à teoria da imprevisão, prevê que a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu (contratante que não se encontra numa situação de prejuízo) a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Outro artigo que precisa ser observado ao estudar a teoria da imprevisão é o artigo 480, que dispõe que se no contrato as obrigações corresponderem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou alterada a forma de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Estes dispositivos coadunam com a noção de aproveitamento do negócio jurídico, ao invés de simplesmente descartá-lo em respeito ao princípio da conservação dos contratos, que busca preservar o negócio quando há a possibilidade de seu rompimento. O magistrado deve conservar o contrato já em execução, podendo modificá-lo, segundo critérios de eqüidade e razoabilidade, de modo a torná-lo menos oneroso para uma das partes.
5 A teoria da imprevisão no Código de Defesa do Consumidor
Sabemos que a defesa do consumidor é um princípio informador da ordem econômica (artigo 170, inciso V da CF), além de ser também um direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XXXII da CF. A Constituição Federal e a Lei 8.078/90 têm por objetivo atender as necessidades dos consumidores, “o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo” (NALIN, 2002, p.278).
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) cumpriu um papel relevante ao apontar ser possível um regime contratual não fundado no dogma da vontade, o que parecia ser impossível à luz da civilística pátria como um todo. Porém, não se encontra a Lei 8.078/1990 na centralidade de uma Teoria Geral dos Contratos, até porque essa legislação nada mais fez do que tentar compatibilizar a livre iniciativa massificada e a justiça social.
A relação contratual, no campo da relação de consumo, atende às seguintes características: a) envolve duas partes bem definidas: o adquirente de um produto ou serviço (consumidor) e o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não possuindo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, submete-se ao poder e condições de produtores daqueles mesmos bens e serviços (FILOMENO apud GRINOVER, 2000, p.26).
A teoria da imprevisão também encontra previsão no artigo 6º, inciso V do CDC. Este Código indica duas situações: a primeira no tocante à modificação das cláusulas no caso de prestações desproporcionais; e a segunda relacionada à revisão decorrente de fatos supervenientes que torne a prestação excessivamente onerosa.
A primeira situação refere-se às cláusulas abusivas. Neste ponto, ressaltamos que tal cláusula é um fenômeno que pode ocorrer nos contratos de consumo de modo geral, e não apenas nos contratos de adesão. Concernente a isso, Nelson Nery Junior (2000, p.334) expõe que:
As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer a qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual. O CDC visa proteger o consumidor contra as cláusulas abusivas tout court e não somente o aderente do contrato de adesão.
Alertamos que as cláusulas contratuais abusivas podem estar presentes em qualquer contrato, e não apenas naqueles que se referem ao modelo de adesão. A justificativa básica para essa conclusão reside no fato de que a proteção ao consumidor é premissa constitucional, devendo, assim, ser assegurada em todas as relações jurídicas (DUQUE, 2007, p. 110-111).
O CDC, na segunda situação, regula a cláusula rebus sic stantibus pautada nos seguintes pressupostos: fatos supervenientes e onerosidade excessiva, tendo por conseqüência a revisão do contrato (artigo 6º, inciso V).
Ressaltamos que na relação consumerista, o desequilíbrio contratual pode ser verificado somente com a excessiva onerosidade ao cosumidor, já no Código Civil será também exigida a comprovação da extrema vantagem ao outro contratante. Sendo assim, pelo CDC será suficiente que a prestação seja custosa ao consumidor para que incida a cláusula rebus sic stantibus.
Desta forma, preocupando-se com a manutenção de uma situação que já restou configurada, gerou expectativas e comprometeu o patrimônio do consumidor, deve o magistrado optar pela conservação do negócio jurídico, pois estará em sintonia com os princípios da socialidade e da revisão contratual também no CDC.
Segue exemplo que demonstra a prevalência do princípio da conservação numa relação contratual consumerista de mútuo:
Mútuo realizado entre cooperativa e cooperado comerciante. Relação de consumo inexistente. Contrato. Invalidade de cláusulas não caracterizada. Princípio da conservação do negócio jurídico. 1. Consumidor, nos termos do art. 2º da Lei 8.078, de 1990, é o destinatário final de produto ou serviço. 2. O comerciante cooperado que celebra contrato de mútuo com a sociedade cooperativa não é consumidor, pois o capital mutuado destina-se à produção econômica da atividade dele. 3. Pelo princípio da conservação, o legislador e o aplicador da norma jurídica devem, sempre que possível, preservar o negócio jurídico nos planos da existência, validade e eficácia. 4. Afastada a aplicação da Lei 8.078 de 1990, não sendo concretizada qualquer uma das hipóteses elencadas nos artigos 145 e 147 do Código Civil e com base no princípio da conservação, devem ser tidas como válidas as cláusulas do contrato ajustado entre as partes[3].
No caso acima, é possível depreender que, dada ampla proteção ao consumidor diante da supremacia econômica em que, via de regra, se encontram os fornecedores e produtores de bens e serviços, as referidas regras de interpretação sempre privilegiarão o aderente. No tocante a isso, entendemos a supremacia econômica do fornecedor/produtor em face do consumidor, já que é notória a vulnerabilidade deste último nas relações de consumo.
Devemos em toda interpretação que envolva relações de consumo, reconhecer a vulnerabilidade de um contratante em relação ao outro, de modo que o negócio jurídico venha a sofrer limitações por meio de ações interventivas realizadas pelo Poder Judiciário (DUQUE, 2007, p. 114).
6 Uma nova leitura do direito contratual
Vimos que nos contratos de duração continuada ou de execução diferida poderá ser aplicada a teoria da imprevisão ocorrendo a relativização do princípio do pacta sunt servanda.
A sociedade deve se responsabilizar pela existência social dos seus membros e incentivar o respeito pelos direitos dos consumidores e dos particulares, tudo isso provoca a relativização dos direitos subjetivos com o uso do princípio da função social nas relações privadas[4].
A autonomia da vontade, assim, pode ser mitigada de forma a assegurar o equilíbrio contratual e promover a socialidade nas relações privadas, ainda que o interesse tenha sido inicialmente patrimonial.
Nos contratos que possuem uma duração mais prolongada, o princípio da função social do contrato pretende concretizar a tendência atual de socialização, por via da revisão do negócio. Assim, o aspecto social passa a estar presente em todos os direitos e os deveres criados pelos contratantes que devem ser realizados funcionalmente, mas sem se afastar dos fins econômicos e sociais pelos quais o contrato foi celebrado.
Diante da perspectiva de socialidade, percebe-se que o direito contratual, em face das novas realidades sócio-econômicas, precisou se adaptar e ganhar uma nova função, que, no dizer de Cláudia Lima Marques (2002, p.154) significa a realização da justiça e o equilíbrio contratual.
A boa-fé acolhe um princípio ético, fundado na lealdade, confiança e probidade. Caberá ao juiz constituir a conduta que deveria ter sido tomada pelo contratante levando em conta ainda os usos e costumes (GONÇALVES, 2004, p.36).
A efetividade do princípio da boa-fé deve acompanhar a execução dos contratos, quando configurado o enriquecimento ilícito. A modificação de tal situação deverá obedecer ao juízo de eqüidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfatizamos a necessidade de uma releitura das posições jurídicas ocupadas pelos contratantes. Torna-se incompatível analisar o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações individualistas, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
A questão proposta neste estudo girou em torno da alteração das circunstâncias contratuais. Indicamos a resolução ou revisão contratual como os caminhos a serem seguidos quando uma vez celebrado determinado contrato ocorrer a modificação de suas circunstâncias provocando, assim, situações de onerosidade para uma das partes.
Vivemos o momento de uma renovação teórica do contrato e este momento refere-se à socialização da teoria contratual. Procuramos, a partir do princípio da socialidade associado ao princípio da conservação do contrato, indicar as soluções plausíveis a serem adotadas pelos contratantes, diante do cumprimento do acordo e da redução da onerosidade por via judicial.
Propomos, assim, a observância do marco divisório, então, entre a revisão e a extinção contratual que deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. No primeiro caso, para privilegiar a prestação em espécie e, no segundo caso, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Artigo de Bruna Lyra Duque.