17/07/2012 - 09:47 | ||||||||
Cidadania e Cidadania Ativa
Patrice Canivez (1998) lembra-nos que, como já vimos, a cidadania define a pertença a um Estado de Direito, dá à pessoa um status jurídico e a essa pessoa se ligam determinados direitos e deveres próprios de cada Estado. Assim, haverá tantos tipos de cidadãos quantos tipos de Estado.Podemos entender então que já ao nascer adquirimos esse status e vamos construindo esse processo durante a nossa existência; democracia e cidadania são processos, meios de ação. Como explica Canivez, o problema da cidadania não está na lei, mas aflora no momento da minha inserção/relação na e com minha comunidade. Vivemos num Estado de Direito e de liberdades fundamentais e isso permite-nos trabalhar e levarmos nossa vida, o que não impõe necessariamente uma responsabilidade política. O autor analisa “O Estado constitucional garante certos direitos ao indivíduo, mas esse indivíduo pode ser politicamente passivo: sempre governado, nunca governando. Em outras palavras, o Estado moderno apresenta e resolve – mais ou menos bem – a questão do controle e dos limites do poder. Garante ao indivíduo, definitivamente, o gozo de uma vida pessoal, e nesse sentido, puramente privada. No que se refere à participação ativa nos assuntos públicos, parece ponto pacífico que ela seja reservada aos profissionais da política.” (1998, p. ) Segundo Canivez, podemos considerar que este indivíduo é politicamente ativo na hora em que vota. Mas ele mesmo rebate, pois entende que este argumento significaria dizer que somos ativos apenas nesse momento em especial – sem falar dos que não votam. Na verdade, somos politicamente passivos na maior parte do tempo da nossa vida, somos indivíduos puramente privados – e observa que isso “tem certo encanto”; no entanto, ressalta, somos privados também de qualquer influência nos destino da nossa comunidade, por exemplo. Canivez indaga qual a diferença de um cidadão brasileiro, por exemplo, para um estrangeiro, excluindo-se a época de guerra, os períodos eleitorais, ainda mais se esse se abstém, do cidadão estrangeiro? Ele mesmo responde, argumentando que dois trabalham, devem respeitar as leis, recebem proteção e devem ter suas liberdades fundamentais respeitadas. O estrangeiro tem até mesmo o direito de recorrer aos tribunais, se for uma reclamação justa. Votar em época de eleições não basta para ser cidadão, já que o cidadão autêntico, segundo Canivez – recorrendo a Sócrates, que propôs essa questão na antiguidade –, é quem exerce uma função pública, governando, tendo uma função no tribunal (entendendo-se aqui como uma assembléia composta de cidadãos escolhidos por sorteio), ou que participe das assembléias do povo. É não ser meramente governado, mas também governante, não apenas gozar de direitos, mas ser essencialmente “co-participante do governo” (Hanna Arendt)[1] Como co-participantes os cidadãos têm, então, direito à palavra – princípio da isegoria – e podem participar da condução dos assuntos, sendo que, para isso, utiliza o sistema de revezamento, que garante aos cidadãos a certeza de serem sucessivamente governados. Noutro momento, nas aristocracias e nas oligarquias, o povo é despojado dos poderes executivo e legislativo, exercidos por especialistas. Aqui, trata-se de ser cidadão aquele que tem a possibilidadede chegar a uma dessas funções e nem mesmo pode se falar de revezamento. Canivez (1998) afirma que a democracia moderna mistura traços dessas duas situações, ou seja, no caso do sistema de júris, este é formado por meio de sorteio (Tribunal do Júri, no Brasil); nos processos (crimes contra a vida, no Brasil), existe um traço de democracia, já que, assim, qualquer um poderá ser chamado a participar, assim como no legislativo. Fora isso, quanto ao Executivo, o princípio em vigor é de uma aristocracia aberta, pois até mesmo o princípio das eleições implica na escolha dos melhores. Há que se ter elegibilidade. Dispondo de determinadas condições, “qualquer cidadão” pode aspirar a um cargo político. A democracia moderna é o Estado no qual [...] todo cidadão é considerado como um governanteem potencial. Masisso traz alguns problemas, primeiro pela pouca preocupação dos cidadãos com a ação política (ainda que isso seja uma possibilidade e não uma obrigatoriedade), depois, pelas necessárias condições financeiras e de acesso aos meios de comunicação. Pode-se, por outro lado, agir sobre os governantes, contribuindo principalmente para a formação da opinião pública. Sobre a possibilidade e a não obrigatoriedade do cidadão em relação aos direitos da cidadania, já vimos que Dalmo de Abreu Dallari (1998) entende que é imprescindível que eles sejam exercidos; que são também deveres pela natureza associativa da humanidade e a fraqueza que significa a ação de indivíduos isolados quando precisam enfrentar o Estado e poderosos grupos sociais. A participação dos cidadãos em atividades sociais, em que atuem juntos, torna-se necessária para que vença a vontade de todos. Impossível, para ele, viver a democracia sem que os membros da sociedade exponham suas opiniões e vontade. Assim, para Canivez (1998), não somos essencialmente cidadãos, nem aos nossos próprios olhos, mas sim trabalhadores e indivíduos, anônimos e intercambiáveis de uma sociedade que ultrapassa os limites da nossa nação. Quando desejamos estabelecer uma identidade ou uma especificidade tentamos contrapor a essa sociedade global uma sociedade restrita à família ou aos amigos ou de origem, de costumes e de cultura. A cidadania, grande diante da vida particular do indivíduo, se apequena em relação á sociedade mundial. Canivez nos leva, então, para a questão da educação. Direito á igualdade implica que os cidadãos tenham acesso ao mesmo saber e à mesma formação. Que tipo de formação está tendo esse cidadão passivo? Para ele: “Essa educação não pode mais simplesmente consistir numa informação ou instrução que permita ao indivíduo, enquanto governado, ter conhecimento de seus direitos e deveres, para a eles conformar-se com escrúpulo e inteligência. Deve fornecer-lhe, além dessa informação, uma educação que corresponda à sua posição de governante potencial.” (1998, p.) A educação, em uma democracia, deve formar cidadãos ativos e exige a participação na vida pública para que se caracterize a cidadania ativa, em oposição à cidadania passiva. Como explicita Maria Vitória Benevides “Distingue-se, portanto, a cidadania passiva – aquela que é outorgada pelo Estado, com a idéia moral da tutela e do favor – da cidadania ativa, aquela que institui o cidadão como portador de direitos e deveres, mas essencialmente participante da esfera pública e criador de novos direitos para abrir espaços de participação.” (in Carvalho, 2004, p.46) A cidadania, além de um conjunto de deveres e direitos individuais, sociais, econômicos, políticos e culturais, é essencialmente participação na vida pública. A autora, então, expõe: “Percebe-se, assim, como a relação entre cidadania e democracia explicita-se também no fato de que ambas são processos” (in Carvalho, p. 45) Dallari (1998) informa-nos que a nossa Constituição prevê diversos instrumentos de participação popular, cuja utilização favorecerá muito a democratização da ordem social e política brasileira, evidenciando-se os seguintes instrumentos
Medida Judicial que pode ser tomada contra abuso de autoridade nos âmbitos Executivo, Legislativo e Judiciário.ü Obrigatória participação de representantes da comunidadeNas decisões sobre educação, saúde e direitos da criança e do adolescente. Estão previstas audiências públicas, para que o povo seja informado e se pronuncie sobre projetos e iniciativas do Legislativo e do Executivo ou sobre decisões que este deve tomar. Apesar disso, Dallari ressalta que “Não basta, porém, a Constituição declarar que essas liberdades existem. É preciso que existam realmente meios concretos ao alcance de todo o povo para a obtenção e divulgação das informações, dando-se, também, efetividade às determinações constitucionais quanto aos instrumentos de participação popular, para que o povo participe constantemente do governo, que existe para realizar a sua vontade, satisfazer suas necessidades e promover a melhoria de suas condições de vida.” (1998, p. 63) Benevides (in Carvalho, 2004), lembrando Marilena Chaui, afirma que a cidadania precisa de espaços sociais de luta, de instituições permanentes para a expressão política e mecanismos de participação popular em que ela possa ser efetivada. Apesar das lutas que se tem travado para uma construção efetiva da democracia e validação dos direitos humanos e da cidadaniaem nosso País, tais conquistas ao menos estão hoje expressasem nossa Constituição, vivemos num Estado democrático de direito e são processos desejados por muitos. - Débora Gabriel Cavalcante Parentroni é formada em Pedagogia, Diretora Pedagógica do IDECRIM – www.idecrim.com.br- e faz parte da Diretoria do IBRADD – www.ibradd.org.br
[1] Hannah Arendt (1906-1975) foi uma teórica política alemã. Em sua obra “As origens do totalitarismo” ela afirma que a cidadania não consiste apenas em gozar de certos direitos; consiste, essencialmente, no fato de ser co-participante no governo, sujeito e agente de cidadania no reforço de valores culturais, sociais, políticos e morais de uma sociedade
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terça-feira, 17 de julho de 2012
Cidadania e Cidadania Ativa - por Débora G. Cavalcate Parentoni
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