sexta-feira, 13 de março de 2015

Convivência com expectativa de formar família no futuro não configura união estável


STJ
 Convivência com expectativa de formar família no futuro não configura união estável



Para que um relacionamento amoroso se caracterize como união estável, não basta ser duradouro e público, ainda que o casal venha, circunstancialmente, a habitar a mesma residência; é fundamental, para essa caracterização, que haja um elemento subjetivo: a vontade ou o compromisso pessoal e mútuo de constituir família.

Seguindo esse entendimento exposto pelo relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um homem que sustentava ter sido namoro – e não união estável – o período de mais de dois anos de relacionamento que antecedeu o casamento entre ele e a ex-mulher. Ela reivindicava a metade de apartamento adquirido pelo então namorado antes de se casarem.

Depois de perder em primeira instância, o ex-marido interpôs recurso de apelação, que foi acolhido por maioria no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Como o julgamento da apelação não foi unânime, a ex-mulher interpôs embargos infringentes e obteve direito a um terço do apartamento, em vez da metade, como queria. Inconformado, o homem recorreu ao STJ.

No exterior

Quando namoravam, ele aceitou oferta de trabalho e mudou-se para o exterior. Meses depois, em janeiro de 2004, tendo concluído curso superior e desejando estudar língua inglesa, a namorada o seguiu e foi morar com ele no mesmo imóvel. Ela acabou permanecendo mais tempo do que o previsto no exterior, pois também cursou mestrado na sua área de atuação profissional.

Em outubro de 2004, ainda no exterior – onde permaneceram até agosto do ano seguinte –, ficaram noivos. Ele comprou, com dinheiro próprio, um apartamento no Brasil, para servir de residência a ambos. Em setembro de 2006, casaram-se em comunhão parcial – regime em que somente há partilha dos bens adquiridos por esforço comum e durante o matrimônio. Dois anos mais tarde, veio o divórcio.

A mulher, alegando que o período entre sua ida para o exterior, em janeiro de 2004, e o casamento, em setembro de 2006, foi de união estável, e não apenas de namoro, requereu na Justiça, além do reconhecimento daquela união, a divisão do apartamento adquirido pelo então namorado, tendo saído vitoriosa em primeira instância. Queria, ainda, que o réu pagasse aluguel pelo uso exclusivo do imóvel desde o divórcio – o que foi julgado improcedente.

Núcleo familiar

Ao contrário da corte estadual, o ministro Bellizze concluiu que não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro – e não para o presente –, o propósito de constituir entidade familiar”. De acordo com o ministro, a formação do núcleo familiar – em que há o “compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material” – tem de ser concretizada, não somente planejada, para que se configure a união estável.

“Tampouco a coabitação evidencia a constituição de união estável, visto que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, por estudo), foram, em momentos distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente”, afirmou o ministro no voto.

Por fim, o relator considerou que, caso os dois entendessem ter vivido em união estável naquele período anterior, teriam escolhido outro regime de casamento, que abarcasse o único imóvel de que o casal dispunha, ou mesmo convertido em casamento a alegada união estável.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Proposta de Súmula Vinculante - PSV 57 - Regime Prisional


STF
 Pedido de vista suspende julgamento de PSV sobre regime prisional
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Na sessão desta quinta-feira (12) do Supremo Tribunal Federal (STF), após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, foi suspenso o julgamento da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 57, cujo verbete sugerido diz que “o princípio constitucional da individualização da pena impõe seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento adequado, no local da execução”. O defensor público-geral federal é o autor da proposta.

Ao apresentar o posicionamento da Presidência do STF pela aprovação da Súmula, o ministro Ricardo Lewandowski disse entender que o desrespeito a essa orientação caracteriza inegável constrangimento ilegal. Ele revelou que aplica esse entendimento desde seus tempos de juiz do Tribunal de Alçada Criminal, em São Paulo.

Já o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se em sentido contrário à edição da Súmula. Para ele, não se discute nesse caso a individualização da pena, e sim o regime prisional. Ao invés de afirmar o princípio da individualização da pena, a súmula, como sugerida, infirma ou revoga esse princípio constitucional, argumentou. Além disso, o verbete, no entendimento do procurador, viola o princípio da legalidade e da isonomia. Isso porque, segundo ele, podem ocorrer situações de presos, em uma mesma categoria, cumprirem penas em estabelecimento prisional e outros em prisão domiciliar.

Direitos fundamentais

Em sustentação oral na tribuna, o defensor público-geral, Haman Tabosa Córdova, lembrou que o artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos individuais e fundamentais, diz no inciso 46 que a lei regulará a individualização da pena. Já no inciso 47 prevê que não haverá penas cruéis (item “e”) e, no inciso 48, que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. E, por fim, no inciso 49, diz que é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

De acordo com o defensor, isso é tudo que não acontece no sistema penitenciário brasileiro. Para ele, há sim violação ao princípio constitucional da individualização da pena, diante principalmente do fato de existirem condenados cumprindo penas, muitas vezes, em regime mais gravoso do que aquele para os quais foram condenados. “Parece justo um sentenciado cumprir pena em regime mais gravoso, simplesmente porque o Estado não disponibiliza vaga no regime adequado? “, questionou o defensor, lembrando que as duas Turmas do STF já responderam negativamente a essa pergunta, em vários precedentes.

O defensor público pleiteou a aprovação da súmula vinculante, na forma como proposta, para evitar a insubmissão dos Judiciários de alguns estados que insistem em não se adequar a essa orientação.
Também se manifestaram pela aprovação da súmula vinculante os representantes da Associação de Direitos Humanos em Rede (CONECTAS), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

Vista

Ao justificar seu pedido de vista, o ministro Barroso disse que pretende aguardar o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 641320, com repercussão geral reconhecida, que trata do tema e foi motivo de audiência pública, convocada pelo ministro Gilmar Mendes, realizada no STF em maio de 2013. De acordo com Barroso, a audiência produziu vasto material sobre o assunto, que se bem analisado permitirá refinar as ideias dos ministros a respeito da matéria.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A Importância da escolha do Regime de Bens no Casamento

Texto explicativo a respeito dos tipos de regime de bens em vigor e as consequências de sua escolha.

Muito interessante observar que a escolha do regime de bens quando do casamento, normalmente, não é um assunto considerado importante pelos noivos. E deveria.

As pessoas costumam lembrar do regime de bens escolhido apenas quando decidem pelo divórcio. E, geralmente, percebem que gostariam de ter pensado melhor no assunto na época que antecedeu o casamento.

Nem sempre a dissolução de uma união é tranquila. E quando a decisão é certa, as dúvidas mais comuns são: quem fica com o que? Eu contribuí mais financeiramente, devo ficar com a maior parte, então? O outro não contribuiu com nada, posso ficar com todos os bens materiais?

Sobre os regimes de bens vigentes:

- Comunhão parcial de bens: é o regime legal. Se o casal não escolher nenhum outro por meio de pacto antenupcial, este vigerá até a eventual dissolução do matrimônio. Nesse caso todos os bens adquiridos durante o matrimônio deverão ser partilhados igualmente, independentemente de quem contribuiu financeiramente para as aquisições, excluídos os bens recebidos por doação ou herança;

- Comunhão universal de bens: há necessidade de escolher esse regime de bens por meio de uma escritura de pacto antenupcial a ser realizada em tabelionato de notas. Nessa opção todos os bens integrarão eventual partilha, incluindo bens anteriores ao casamento e aqueles recebidos por doação e/ou herança;

- Separação total de bens: regime de bens escolhido por meio de escritura antenupcial. Não haverá partilha de bens em caso de dissolução do casamento. Os bens adquiridos por cada uma das partes serão de cada um deles, individualmente. Não há partilha de bens ou ônus provenientes do casamento, cada um é responsável por suas próprias coisas;

- Participação final nos aquestos: necessária a escritura de pacto antenupcial também. Neste regime, os bens que os cônjuges possuíam antes do casamento e aqueles que adquiriram após, permanecem próprios de cada um, como na separação total de bens. Porém, se houver dissolução do matrimônio, os bens que foram adquiridos na constância do casamento será partilhado igualmente.

Cada caso deve ser analisado individualmente antes da escolha do regime de bens pelo casal, de maneira prática e não emocional: alguns não possuem bens ao se casarem e pretendem construir um patrimônio conjunto; outros já se casaram anteriormente e já têm filhos, questões que certamente merecem maior atenção já que haverá influência quando de eventual dissolução do matrimônio pelo divórcio ou na parte sucessória, quando do falecimento de um dos cônjuges, dentre várias outras hipóteses. Cada um tem uma história.

O importante é que se faça a escolha racionalmente para que a paz exista no casamento do início a eventual fim.

O QUE É DANO MORAL?

Muito se ouve falar sobre os danos morais; Mas o que realmente é Dano Moral?
dano moral é qualquer sofrimento trazido ao indivíduo que não é motivado diretamente por uma perda pecuniária. Ele é a ofensa à honra, à liberdade, à profissão, à saúde, ao nome, ao crédito, à psique, ou seja, ao bem estar e à vida da vítima.
Assim é qualquer violação que não venha refletir diretamente nos bens materiais da pessoa, mas sim em seus princípios morais, trazendo uma situação humilhante, vexatória ou ofensiva, pode caracterizar o dano moral, que é indenizável se a vítima pedir reparação na Justiça.
Um exemplo muito comum de abusos que causam danos morais, nos dias atuais, tem a ver com asrelações de consumo. Assim se, por exemplo, o banco que administra o cartão de crédito, faz desconto automático do valor “mínimo do cartão de crédito” diretamente na conta corrente sem autorização do cliente, há caracterização do dano moral.
Outra situação, ainda envolvendo instituições bancárias é a prática de bloqueio ou desconto em proventos (salário, aposentadoria, pensão, etc) que ocorre quando os bancos simplesmente bloqueiam ou descontam todo ou parte dos proventos dos seus clientes por causa de dívidas.  Se não houver autorização do cliente, nada poderá ser bloqueado ou descontado.
Há ainda a situação de quando a dívida é paga, mas o nome e CPF da pessoa permanecem nos cadastros negativos de crédito (SPC, SERASA, etc).
Quando o consumidor paga a dívida, (mesmo que seja apenas a 1ª parcela, se foi parcelada) a lei estabelece prazo de 05 (cinco) dias para a retirada, mas se mesmo assim não retiraram os dados da pessoa dos cadastros negativos (SPC, SERASA, etc), é caso de procurar a Justiça para exigir a retirada, bem como indenização pelos danos morais decorrentes da manutenção indevida dos cadastros negativos.
O mesmo ocorre em situações em que a inscrição indevida nos cadastros restritivos (SPC e SERASA) é feita por dívida que o consumidor nunca contraiu (fraude, erro, etc).
Outro tipo de dano moral é aquele que decorre de atrasos de vôos, o chamado overbooking. A responsabilidade é da empresa aérea, pelo desconforto, aflição e contratempos originados ao passageiro que arcou com os pagamentos daquele serviço, oferecido de forma imperfeita. A empresa responde pelo atraso de vôo internacional, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor como pela Convenção de Varsóvia, que pronuncia: “responde o transportador pelo dano proveniente do atraso, no transporte aéreo de viajantes, bagagens ou mercadorias”.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

DIREITO CONTRATUAL

Direito contratual

O direito contratual e suas várias vertentes aplicáveis as diversas áreas do direito, tem sido objeto muito estudo pelos militantes no direito civil, objetivando abordar as frequentes alterações frente a doutrina e jurisprudência atual.

Sabemos que é por meio das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, assim, através do direito das obrigações se estabelece também a autonomia da vontade entre os particulares na esfera patrimonial.
Podemos afirmar que o direito das obrigações exerce grande influência na vida econômica, em razão da inegável constância das relações jurídicas obrigacionais no mundo contemporâneo. Intervém o direito contratual na própria vida econômica, principalmente, nas relações de consumo, sob diversas modalidades e na distribuição dos bens.
Podemos conceituar o contrato como uma espécie do gênero negócio jurídico que possui natureza bilateral e pelo qual as partes se obrigam a dar, restituir, fazer ou não fazer alguma coisa.
Consideramos que o Código Civil brasileiro de 1916 recebeu forte influência da legislação francesa, inspirado no liberalismo, valorizando o indivíduo, a liberdade e a propriedade. A base contratual que se pautou o diploma civil de 1916 observou características individualistas, observando apenas uma igualdade formal, fazendo lei entre as partes (pacta sunt servanda). Segundo tal diploma legal, ficava assegurada a imutabilidade contratual e os contraentes celebravam livremente um acordo que deveria ser absolutamente respeitado.
Todavia a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou a ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios, cláusulas abusivas e má-fé.
Com o advento do Código de 2002, houve um rompimento do aspecto individualista. Os novos dispositivos legais deste Código passam a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Entendemos, portanto, ser incompatível o Código de 2002 com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações do séc. XVIII, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
2 A extinção da relação contratual no Direito Civil
O Código Civil brasileiro cuidou deste assunto no Título V, do Capítulo II, denominado de “Extinção do Contrato” que é dividido em quatro seções: distrato, cláusula resolutiva, execução do contrato não cumprido e resolução por onerosidade excessiva.
Primeiramente, será preciso indagar: por que o Código utiliza a expressão extinção? Porque o contrato está inserido no contexto do direito das obrigações e este, por sua vez, trata de um direito pessoal com caráter transitório, sendo assim, uma vez cumprida a obrigação a mesma se extingue, já que é um direito provisório.
Indicaremos, neste breve estudo, alguns caminhos que levam à extinção contratual. Todavia, demonstraremos que a inovação do Código Civil é dirigir a liberdade de contratar nos limites e em razão da função social do contrato, que deve ser concluído e executado de forma socialmente responsável a fim de garantir o equilíbrio social.
Propomos, diante das disposições do Código Civil de 2002, a seguinte classificação para as formas de extinção dos contratos: 1) Extinção normal; 2) Extinção por vício; 3) Extinção por resilição; 4) Extinção por resolução.
A extinção normal decorre do cumprimento direto da obrigação, a extinção por vício ocorrerá por nulidade ou anulabilidade do negócio obrigacional firmado entre as partes, já a extinção por resilição poderá ser bilateral ou unilateral e depende unicamente da vontade dos contratantes. A resolução refere-se à inexecução culposa ou involuntária do acordado.
A resolução opera a finalização do contrato por descumprimento das obrigações por uma das partes ou de ambas, seja por culpa sua, seja por ato estranho à sua vontade (caso fortuito, força maior e onerosidade excessiva).
O conceito de resolução está ligado a uma perturbação da prestação com a conseqüente desvinculação da parte adimplente como fruto dessa mesma quebra ou frustração do fim contratual (PROENÇA, 2006, p. 13). Não se pode, pois, aproximar os conceitos resolução, revisão e extinção.
Indicamos, neste ponto, a divergência existente em nosso ordenamento jurídico quanto à possibilidade de resolução do contrato nos casos do artigo 478 do Código Civil, já que parte da doutrina entende ser mais aconselhável a revisão.
A solução mais coerente parece ser a análise do julgador em cada caso concreto, ou seja, optar por permanecer com a contratação, proporcionando apenas a correção mais justa em determinadas situações, e, em outras, optar pela resolução contratual, em razão dos prejuízos serem maiores, tornando-se insubsistente a possibilidade de manter a relação jurídica obrigacional.
Apreendemos que a onerosidade excessiva, por exemplo, pode ou não ensejar a extinção do contrato, como menciona o artigo 479 do Código Civil ao dispor que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
Neste contexto, a revisão contratual é uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. O fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
Propomos, portanto, que o marco divisório entre a revisão e a extinção contratual deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. A revisão pode se operar para privilegiar a prestação em espécie e, a extinção pode ser suscitada, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Entendemos que o Código Civil de 2002 conserva uma certa confusão conceitual e substancial quanto aos termos extinção e resolução, mas sabendo que o contrato passa por um momento de renovação teórica relacionada à socialização das suas bases e princípios, o que importa em cada caso será apurar e interpretar a intenção das partes.
Julgamos que a socialidade e a conservação do contrato são parâmetros que devem ser seguidos no momento do cumprimento e da execução do negócio jurídico, deverão, portanto, ser observados na revisão ou, até mesmo, na extinção do negócio.
3 A revisão contratual
A possibilidade dos contratantes revisarem os termos previstos em contratos, por via judiciária, surge em razão da possível mutabilidade das relações civis, que são encaradas a partir de uma visão não estanque e sofrem o impacto de todo o contexto social e econômico onde estão inseridas.
Existem situações exteriores ao contrato que podem provocar reações diversas para os contratantes, onerando excessivamente um dos pólos da relação jurídica. Em razão disso, o ordenamento jurídico prevê que a alteração das circunstâncias pode ser suscitada pelo contratante prejudicado por meio da teoria da imprevisão.
Esta alteração passou a ter relevância jurídica no século XII que se traduziu na afirmação da existência da cláusula rebus sic stantibus. Tal cláusula preceitua que um contrato deve se manter em vigor se permanecer o estado das coisas estipuladas no momento da sua celebração.
Entendemos que a teoria da imprevisão consiste na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes torna-se exageradamente onerosa. Dá-se em momento posterior à conclusão do contrato, por isso falamos em desequilíbrio superveniente.
Tal teoria acaba por relativizar o pacta sunt servanda, porque pretende alterar a situação contratual, em virtude de desequilíbrio entre as partes. Por conseqüência, a rebus sic stantibus está implícita em todos os contratos de execução continuada ou diferida e, sendo assim, objetiva manter o contrato nos termos em que a negociação inicialmente se pautou, isto é, sem quaisquer alterações.
Assim, são pressupostos que devem estar presentes no momento da aplicação da teoria da imprevisão: 1) configuração de eventos extraordinários e imprevisíveis; 2) comprovação da onerosidade excessiva que causa a insuportabilidade do cumprimento do acordo para um dos contratantes; 3) que o contrato seja de execução continuada ou de execução diferida.
A respeito do primeiro requisito, entendemos como eventos extraordinários e imprevisíveis aqueles que são totalmente considerados como impossíveis de previsibilidade pelos contratantes, isto é, eventos que se afastam do curso ordinário das coisas, como a variação abrupta do dólar norte-americano em razão da desvalorização ocorrida no Brasil, no ano de 1999, nas obrigações que envolviam entrega de produtos importados.
Neste ponto, gostaríamos de mencionar a intensa divergência jurisprudencial que se faz presente nas doutrinas civis acerca da aplicação da teoria da imprevisão fundada nas alterações da economia (planos econômicos). Em nossa opinião, entendem alguns magistrados, erroneamente, que, quando o país enfrenta planos econômicos, torna-se totalmente previsível a variação do valor expresso no contrato[1]. Pensamos que os planos econômicos provocam desequilíbrio nos contratos. Isso não pode ser desconsiderado no momento da revisão ou resolução contratual.
Já a onerosidade excessiva significa um fato que torna difícil o cumprimento da obrigação na forma ajustada, pois impõe uma desproporção entre a prestação e a contraprestação que, por conseqüência, acabará por provocar uma desvantagem exagerada para um dos contratantes e comprometerá a execução equânime do contrato.
Por fim, o último requisito refere-se aos contratos de duração continuada que são aqueles que se prolongam no tempo, isto é, são contratos de execução sucessiva, ao contrário dos contratos de execução instantânea, que são aqueles em que a prestação é realizada em um só ato. Já os contratos de execução diferida são aqueles que possuem o cumprimento da obrigação num momento futuro, previamente acordado entre as partes, como a entrega de um carro um mês após o pagamento.
Após delimitar todos os requisitos da teoria da imprevisão, indicamos a revisão contratual como uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. Assim, o fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
4 A teoria da imprevisão no Código Civil
A teoria da imprevisão indiscutivelmente tem previsão legal nos artigos 478 e seguintes do Código Civil brasileiro. Todavia, algumas doutrinas consideram que também a teoria encontra guarida no artigo 316. A este respeito, entendemos que o artigo se aplica melhor à cláusula de escala móvel que se refere a uma estipulação dos contratantes quanto à atualização monetária presente nas dívidas estipuladas nas obrigações em pecúnia.
Por outro lado, a teoria da imprevisão só se aplica quando ocorrer fatos supervenientes, imprevisíveis e não imputáveis aos contratantes, com reflexos sobre o objeto ou o valor do contrato, e isso poderá ensejar a sua revisão ou o seu desfazimento.
Precisamos compreender também que muitos autores confundem a teoria da imprevisão com a ocorrência da força maior e do caso fortuito. A força maior e o caso fortuito referem-se ao fato de que a prestação ajustada no negócio jurídico não poderá ser cumprida e o devedor não responderá pelos prejuízos daí resultante, por se tratar de uma hipótese de excludente de responsabilidade (artigo 393). Por outro lado, para os casos do artigo 317 aí sim aplicamos a teoria da imprevisão, nos acordos exeqüíveis a médio ou longo prazo, se uma das partes ficar em nítida desvantagem econômica.
Quando advir motivos imprevisíveis, no curso do contrato, devem as partes recorrer ao juiz, para a devida correção do valor avençado (artigo 317). Um exemplo de oscilações que podem acontecer no decorrer do contrato são as modificações nos preços que geralmente ocorrem nos contratos de mútuo e depósito. Outro exemplo seria o caso das “conseqüências negativas da excessiva onerosidade sobrevinda à parte por força de fator externo, como a ascensão de preço de materiais necessários na edificação de prédio” (BITTAR, 2004, p. 51).
Segue julgado que exemplifica tal situação de motivos imprevisíveis no curso do negócio:
Possibilidade da revisional de aluguéis por aplicação analógica do artigo 49, § 4º, da Lei. 6.649/79, substituído pelos artigos 17, § 1º, da Lei 8.178/91, e 19, da Lei 8.245/91. Homenagem do legislador ao princípio do equilíbrio das prestações entre as partes pactuantes nas locações comerciais residenciais e não residenciais, ensejando a revisão de aluguéis desde que haja alteração das condições econômicas de sorte a provocar defasagem do valor locativo. Recurso conhecido e provido[2].
O artigo 479, que também se refere à teoria da imprevisão, prevê que a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu (contratante que não se encontra numa situação de prejuízo) a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Outro artigo que precisa ser observado ao estudar a teoria da imprevisão é o artigo 480, que dispõe que se no contrato as obrigações corresponderem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou alterada a forma de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Estes dispositivos coadunam com a noção de aproveitamento do negócio jurídico, ao invés de simplesmente descartá-lo em respeito ao princípio da conservação dos contratos, que busca preservar o negócio quando há a possibilidade de seu rompimento. O magistrado deve conservar o contrato já em execução, podendo modificá-lo, segundo critérios de eqüidade e razoabilidade, de modo a torná-lo menos oneroso para uma das partes.
5 A teoria da imprevisão no Código de Defesa do Consumidor
Sabemos que a defesa do consumidor é um princípio informador da ordem econômica (artigo 170, inciso V da CF), além de ser também um direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XXXII da CF. A Constituição Federal e a Lei 8.078/90 têm por objetivo atender as necessidades dos consumidores, “o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo” (NALIN, 2002, p.278).
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) cumpriu um papel relevante ao apontar ser possível um regime contratual não fundado no dogma da vontade, o que parecia ser impossível à luz da civilística pátria como um todo. Porém, não se encontra a Lei 8.078/1990 na centralidade de uma Teoria Geral dos Contratos, até porque essa legislação nada mais fez do que tentar compatibilizar a livre iniciativa massificada e a justiça social.
A relação contratual, no campo da relação de consumo, atende às seguintes características: a) envolve duas partes bem definidas: o adquirente de um produto ou serviço (consumidor) e o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não possuindo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, submete-se ao poder e condições de produtores daqueles mesmos bens e serviços (FILOMENO apud GRINOVER, 2000, p.26).
A teoria da imprevisão também encontra previsão no artigo 6º, inciso V do CDC. Este Código indica duas situações: a primeira no tocante à modificação das cláusulas no caso de prestações desproporcionais; e a segunda relacionada à revisão decorrente de fatos supervenientes que torne a prestação excessivamente onerosa.
A primeira situação refere-se às cláusulas abusivas. Neste ponto, ressaltamos que tal cláusula é um fenômeno que pode ocorrer nos contratos de consumo de modo geral, e não apenas nos contratos de adesão. Concernente a isso, Nelson Nery Junior (2000, p.334) expõe que:
As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer a qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual. O CDC visa proteger o consumidor contra as cláusulas abusivas tout court e não somente o aderente do contrato de adesão.
Alertamos que as cláusulas contratuais abusivas podem estar presentes em qualquer contrato, e não apenas naqueles que se referem ao modelo de adesão. A justificativa básica para essa conclusão reside no fato de que a proteção ao consumidor é premissa constitucional, devendo, assim, ser assegurada em todas as relações jurídicas (DUQUE, 2007, p. 110-111).
O CDC, na segunda situação, regula a cláusula rebus sic stantibus pautada nos seguintes pressupostos: fatos supervenientes e onerosidade excessiva, tendo por conseqüência a revisão do contrato (artigo 6º, inciso V).
Ressaltamos que na relação consumerista, o desequilíbrio contratual pode ser verificado somente com a excessiva onerosidade ao cosumidor, já no Código Civil será também exigida a comprovação da extrema vantagem ao outro contratante. Sendo assim, pelo CDC será suficiente que a prestação seja custosa ao consumidor para que incida a cláusula rebus sic stantibus.
Desta forma, preocupando-se com a manutenção de uma situação que já restou configurada, gerou expectativas e comprometeu o patrimônio do consumidor, deve o magistrado optar pela conservação do negócio jurídico, pois estará em sintonia com os princípios da socialidade e da revisão contratual também no CDC.
Segue exemplo que demonstra a prevalência do princípio da conservação numa relação contratual consumerista de mútuo:
Mútuo realizado entre cooperativa e cooperado comerciante. Relação de consumo inexistente. Contrato. Invalidade de cláusulas não caracterizada. Princípio da conservação do negócio jurídico. 1. Consumidor, nos termos do art. 2º da Lei 8.078, de 1990, é o destinatário final de produto ou serviço. 2. O comerciante cooperado que celebra contrato de mútuo com a sociedade cooperativa não é consumidor, pois o capital mutuado destina-se à produção econômica da atividade dele. 3. Pelo princípio da conservação, o legislador e o aplicador da norma jurídica devem, sempre que possível, preservar o negócio jurídico nos planos da existência, validade e eficácia. 4. Afastada a aplicação da Lei 8.078 de 1990, não sendo concretizada qualquer uma das hipóteses elencadas nos artigos 145 e 147 do Código Civil e com base no princípio da conservação, devem ser tidas como válidas as cláusulas do contrato ajustado entre as partes[3].
No caso acima, é possível depreender que, dada ampla proteção ao consumidor diante da supremacia econômica em que, via de regra, se encontram os fornecedores e produtores de bens e serviços, as referidas regras de interpretação sempre privilegiarão o aderente. No tocante a isso, entendemos a supremacia econômica do fornecedor/produtor em face do consumidor, já que é notória a vulnerabilidade deste último nas relações de consumo.
Devemos em toda interpretação que envolva relações de consumo, reconhecer a vulnerabilidade de um contratante em relação ao outro, de modo que o negócio jurídico venha a sofrer limitações por meio de ações interventivas realizadas pelo Poder Judiciário (DUQUE, 2007, p. 114).
6 Uma nova leitura do direito contratual
Vimos que nos contratos de duração continuada ou de execução diferida poderá ser aplicada a teoria da imprevisão ocorrendo a relativização do princípio do pacta sunt servanda.
A sociedade deve se responsabilizar pela existência social dos seus membros e incentivar o respeito pelos direitos dos consumidores e dos particulares, tudo isso provoca a relativização dos direitos subjetivos com o uso do princípio da função social nas relações privadas[4].
A autonomia da vontade, assim, pode ser mitigada de forma a assegurar o equilíbrio contratual e promover a socialidade nas relações privadas, ainda que o interesse tenha sido inicialmente patrimonial.
Nos contratos que possuem uma duração mais prolongada, o princípio da função social do contrato pretende concretizar a tendência atual de socialização, por via da revisão do negócio. Assim, o aspecto social passa a estar presente em todos os direitos e os deveres criados pelos contratantes que devem ser realizados funcionalmente, mas sem se afastar dos fins econômicos e sociais pelos quais o contrato foi celebrado.
Diante da perspectiva de socialidade, percebe-se que o direito contratual, em face das novas realidades sócio-econômicas, precisou se adaptar e ganhar uma nova função, que, no dizer de Cláudia Lima Marques (2002, p.154) significa a realização da justiça e o equilíbrio contratual.
A boa-fé acolhe um princípio ético, fundado na lealdade, confiança e probidade. Caberá ao juiz constituir a conduta que deveria ter sido tomada pelo contratante levando em conta ainda os usos e costumes (GONÇALVES, 2004, p.36).
A efetividade do princípio da boa-fé deve acompanhar a execução dos contratos, quando configurado o enriquecimento ilícito. A modificação de tal situação deverá obedecer ao juízo de eqüidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfatizamos a necessidade de uma releitura das posições jurídicas ocupadas pelos contratantes. Torna-se incompatível analisar o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações individualistas, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
A questão proposta neste estudo girou em torno da alteração das circunstâncias contratuais. Indicamos a resolução ou revisão contratual como os caminhos a serem seguidos quando uma vez celebrado determinado contrato ocorrer a modificação de suas circunstâncias provocando, assim, situações de onerosidade para uma das partes.
Vivemos o momento de uma renovação teórica do contrato e este momento refere-se à socialização da teoria contratual. Procuramos, a partir do princípio da socialidade associado ao princípio da conservação do contrato, indicar as soluções plausíveis a serem adotadas pelos contratantes, diante do cumprimento do acordo e da redução da onerosidade por via judicial.
Propomos, assim, a observância do marco divisório, então, entre a revisão e a extinção contratual que deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. No primeiro caso, para privilegiar a prestação em espécie e, no segundo caso, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Sabemos que é por meio das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, assim, através do direito das obrigações se estabelece também a autonomia da vontade entre os particulares na esfera patrimonial.
Podemos afirmar que o direito das obrigações exerce grande influência na vida econômica, em razão da inegável constância das relações jurídicas obrigacionais no mundo contemporâneo. Intervém o direito contratual na própria vida econômica, principalmente, nas relações de consumo, sob diversas modalidades e na distribuição dos bens.
Podemos conceituar o contrato como uma espécie do gênero negócio jurídico que possui natureza bilateral e pelo qual as partes se obrigam a dar, restituir, fazer ou não fazer alguma coisa.
Consideramos que o Código Civil brasileiro de 1916 recebeu forte influência da legislação francesa, inspirado no liberalismo, valorizando o indivíduo, a liberdade e a propriedade. A base contratual que se pautou o diploma civil de 1916 observou características individualistas, observando apenas uma igualdade formal, fazendo lei entre as partes (pacta sunt servanda). Segundo tal diploma legal, ficava assegurada a imutabilidade contratual e os contraentes celebravam livremente um acordo que deveria ser absolutamente respeitado.
Todavia a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou a ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios, cláusulas abusivas e má-fé.
Com o advento do Código de 2002, houve um rompimento do aspecto individualista. Os novos dispositivos legais deste Código passam a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Entendemos, portanto, ser incompatível o Código de 2002 com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações do séc. XVIII, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
2 A extinção da relação contratual no Direito Civil
O Código Civil brasileiro cuidou deste assunto no Título V, do Capítulo II, denominado de “Extinção do Contrato” que é dividido em quatro seções: distrato, cláusula resolutiva, execução do contrato não cumprido e resolução por onerosidade excessiva.
Primeiramente, será preciso indagar: por que o Código utiliza a expressão extinção? Porque o contrato está inserido no contexto do direito das obrigações e este, por sua vez, trata de um direito pessoal com caráter transitório, sendo assim, uma vez cumprida a obrigação a mesma se extingue, já que é um direito provisório.
Indicaremos, neste breve estudo, alguns caminhos que levam à extinção contratual. Todavia, demonstraremos que a inovação do Código Civil é dirigir a liberdade de contratar nos limites e em razão da função social do contrato, que deve ser concluído e executado de forma socialmente responsável a fim de garantir o equilíbrio social.
Propomos, diante das disposições do Código Civil de 2002, a seguinte classificação para as formas de extinção dos contratos: 1) Extinção normal; 2) Extinção por vício; 3) Extinção por resilição; 4) Extinção por resolução.
A extinção normal decorre do cumprimento direto da obrigação, a extinção por vício ocorrerá por nulidade ou anulabilidade do negócio obrigacional firmado entre as partes, já a extinção por resilição poderá ser bilateral ou unilateral e depende unicamente da vontade dos contratantes. A resolução refere-se à inexecução culposa ou involuntária do acordado.
A resolução opera a finalização do contrato por descumprimento das obrigações por uma das partes ou de ambas, seja por culpa sua, seja por ato estranho à sua vontade (caso fortuito, força maior e onerosidade excessiva).
O conceito de resolução está ligado a uma perturbação da prestação com a conseqüente desvinculação da parte adimplente como fruto dessa mesma quebra ou frustração do fim contratual (PROENÇA, 2006, p. 13). Não se pode, pois, aproximar os conceitos resolução, revisão e extinção.
Indicamos, neste ponto, a divergência existente em nosso ordenamento jurídico quanto à possibilidade de resolução do contrato nos casos do artigo 478 do Código Civil, já que parte da doutrina entende ser mais aconselhável a revisão.
A solução mais coerente parece ser a análise do julgador em cada caso concreto, ou seja, optar por permanecer com a contratação, proporcionando apenas a correção mais justa em determinadas situações, e, em outras, optar pela resolução contratual, em razão dos prejuízos serem maiores, tornando-se insubsistente a possibilidade de manter a relação jurídica obrigacional.
Apreendemos que a onerosidade excessiva, por exemplo, pode ou não ensejar a extinção do contrato, como menciona o artigo 479 do Código Civil ao dispor que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.
Neste contexto, a revisão contratual é uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. O fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
Propomos, portanto, que o marco divisório entre a revisão e a extinção contratual deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. A revisão pode se operar para privilegiar a prestação em espécie e, a extinção pode ser suscitada, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Entendemos que o Código Civil de 2002 conserva uma certa confusão conceitual e substancial quanto aos termos extinção e resolução, mas sabendo que o contrato passa por um momento de renovação teórica relacionada à socialização das suas bases e princípios, o que importa em cada caso será apurar e interpretar a intenção das partes.
Julgamos que a socialidade e a conservação do contrato são parâmetros que devem ser seguidos no momento do cumprimento e da execução do negócio jurídico, deverão, portanto, ser observados na revisão ou, até mesmo, na extinção do negócio.
3 A revisão contratual
A possibilidade dos contratantes revisarem os termos previstos em contratos, por via judiciária, surge em razão da possível mutabilidade das relações civis, que são encaradas a partir de uma visão não estanque e sofrem o impacto de todo o contexto social e econômico onde estão inseridas.
Existem situações exteriores ao contrato que podem provocar reações diversas para os contratantes, onerando excessivamente um dos pólos da relação jurídica. Em razão disso, o ordenamento jurídico prevê que a alteração das circunstâncias pode ser suscitada pelo contratante prejudicado por meio da teoria da imprevisão.
Esta alteração passou a ter relevância jurídica no século XII que se traduziu na afirmação da existência da cláusula rebus sic stantibus. Tal cláusula preceitua que um contrato deve se manter em vigor se permanecer o estado das coisas estipuladas no momento da sua celebração.
Entendemos que a teoria da imprevisão consiste na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes torna-se exageradamente onerosa. Dá-se em momento posterior à conclusão do contrato, por isso falamos em desequilíbrio superveniente.
Tal teoria acaba por relativizar o pacta sunt servanda, porque pretende alterar a situação contratual, em virtude de desequilíbrio entre as partes. Por conseqüência, a rebus sic stantibus está implícita em todos os contratos de execução continuada ou diferida e, sendo assim, objetiva manter o contrato nos termos em que a negociação inicialmente se pautou, isto é, sem quaisquer alterações.
Assim, são pressupostos que devem estar presentes no momento da aplicação da teoria da imprevisão: 1) configuração de eventos extraordinários e imprevisíveis; 2) comprovação da onerosidade excessiva que causa a insuportabilidade do cumprimento do acordo para um dos contratantes; 3) que o contrato seja de execução continuada ou de execução diferida.
A respeito do primeiro requisito, entendemos como eventos extraordinários e imprevisíveis aqueles que são totalmente considerados como impossíveis de previsibilidade pelos contratantes, isto é, eventos que se afastam do curso ordinário das coisas, como a variação abrupta do dólar norte-americano em razão da desvalorização ocorrida no Brasil, no ano de 1999, nas obrigações que envolviam entrega de produtos importados.
Neste ponto, gostaríamos de mencionar a intensa divergência jurisprudencial que se faz presente nas doutrinas civis acerca da aplicação da teoria da imprevisão fundada nas alterações da economia (planos econômicos). Em nossa opinião, entendem alguns magistrados, erroneamente, que, quando o país enfrenta planos econômicos, torna-se totalmente previsível a variação do valor expresso no contrato[1]. Pensamos que os planos econômicos provocam desequilíbrio nos contratos. Isso não pode ser desconsiderado no momento da revisão ou resolução contratual.
Já a onerosidade excessiva significa um fato que torna difícil o cumprimento da obrigação na forma ajustada, pois impõe uma desproporção entre a prestação e a contraprestação que, por conseqüência, acabará por provocar uma desvantagem exagerada para um dos contratantes e comprometerá a execução equânime do contrato.
Por fim, o último requisito refere-se aos contratos de duração continuada que são aqueles que se prolongam no tempo, isto é, são contratos de execução sucessiva, ao contrário dos contratos de execução instantânea, que são aqueles em que a prestação é realizada em um só ato. Já os contratos de execução diferida são aqueles que possuem o cumprimento da obrigação num momento futuro, previamente acordado entre as partes, como a entrega de um carro um mês após o pagamento.
Após delimitar todos os requisitos da teoria da imprevisão, indicamos a revisão contratual como uma forma de adequação do contrato à vontade dos contratantes, ou ainda, a hipótese de resolução contratual para os casos onde a redução da onerosidade não seja possível. Assim, o fato superveniente que provoca a desproporção manifesta da prestação é causa de resolução do vínculo contratual quando for insuportável para a parte prejudicada pela modificação das circunstâncias, seja o credor ou o devedor (GONÇALVES, 2004, p.175).
4 A teoria da imprevisão no Código Civil
A teoria da imprevisão indiscutivelmente tem previsão legal nos artigos 478 e seguintes do Código Civil brasileiro. Todavia, algumas doutrinas consideram que também a teoria encontra guarida no artigo 316. A este respeito, entendemos que o artigo se aplica melhor à cláusula de escala móvel que se refere a uma estipulação dos contratantes quanto à atualização monetária presente nas dívidas estipuladas nas obrigações em pecúnia.
Por outro lado, a teoria da imprevisão só se aplica quando ocorrer fatos supervenientes, imprevisíveis e não imputáveis aos contratantes, com reflexos sobre o objeto ou o valor do contrato, e isso poderá ensejar a sua revisão ou o seu desfazimento.
Precisamos compreender também que muitos autores confundem a teoria da imprevisão com a ocorrência da força maior e do caso fortuito. A força maior e o caso fortuito referem-se ao fato de que a prestação ajustada no negócio jurídico não poderá ser cumprida e o devedor não responderá pelos prejuízos daí resultante, por se tratar de uma hipótese de excludente de responsabilidade (artigo 393). Por outro lado, para os casos do artigo 317 aí sim aplicamos a teoria da imprevisão, nos acordos exeqüíveis a médio ou longo prazo, se uma das partes ficar em nítida desvantagem econômica.
Quando advir motivos imprevisíveis, no curso do contrato, devem as partes recorrer ao juiz, para a devida correção do valor avençado (artigo 317). Um exemplo de oscilações que podem acontecer no decorrer do contrato são as modificações nos preços que geralmente ocorrem nos contratos de mútuo e depósito. Outro exemplo seria o caso das “conseqüências negativas da excessiva onerosidade sobrevinda à parte por força de fator externo, como a ascensão de preço de materiais necessários na edificação de prédio” (BITTAR, 2004, p. 51).
Segue julgado que exemplifica tal situação de motivos imprevisíveis no curso do negócio:
Possibilidade da revisional de aluguéis por aplicação analógica do artigo 49, § 4º, da Lei. 6.649/79, substituído pelos artigos 17, § 1º, da Lei 8.178/91, e 19, da Lei 8.245/91. Homenagem do legislador ao princípio do equilíbrio das prestações entre as partes pactuantes nas locações comerciais residenciais e não residenciais, ensejando a revisão de aluguéis desde que haja alteração das condições econômicas de sorte a provocar defasagem do valor locativo. Recurso conhecido e provido[2].
O artigo 479, que também se refere à teoria da imprevisão, prevê que a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu (contratante que não se encontra numa situação de prejuízo) a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Outro artigo que precisa ser observado ao estudar a teoria da imprevisão é o artigo 480, que dispõe que se no contrato as obrigações corresponderem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou alterada a forma de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Estes dispositivos coadunam com a noção de aproveitamento do negócio jurídico, ao invés de simplesmente descartá-lo em respeito ao princípio da conservação dos contratos, que busca preservar o negócio quando há a possibilidade de seu rompimento. O magistrado deve conservar o contrato já em execução, podendo modificá-lo, segundo critérios de eqüidade e razoabilidade, de modo a torná-lo menos oneroso para uma das partes.
5 A teoria da imprevisão no Código de Defesa do Consumidor
Sabemos que a defesa do consumidor é um princípio informador da ordem econômica (artigo 170, inciso V da CF), além de ser também um direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XXXII da CF. A Constituição Federal e a Lei 8.078/90 têm por objetivo atender as necessidades dos consumidores, “o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo” (NALIN, 2002, p.278).
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) cumpriu um papel relevante ao apontar ser possível um regime contratual não fundado no dogma da vontade, o que parecia ser impossível à luz da civilística pátria como um todo. Porém, não se encontra a Lei 8.078/1990 na centralidade de uma Teoria Geral dos Contratos, até porque essa legislação nada mais fez do que tentar compatibilizar a livre iniciativa massificada e a justiça social.
A relação contratual, no campo da relação de consumo, atende às seguintes características: a) envolve duas partes bem definidas: o adquirente de um produto ou serviço (consumidor) e o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não possuindo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, submete-se ao poder e condições de produtores daqueles mesmos bens e serviços (FILOMENO apud GRINOVER, 2000, p.26).
A teoria da imprevisão também encontra previsão no artigo 6º, inciso V do CDC. Este Código indica duas situações: a primeira no tocante à modificação das cláusulas no caso de prestações desproporcionais; e a segunda relacionada à revisão decorrente de fatos supervenientes que torne a prestação excessivamente onerosa.
A primeira situação refere-se às cláusulas abusivas. Neste ponto, ressaltamos que tal cláusula é um fenômeno que pode ocorrer nos contratos de consumo de modo geral, e não apenas nos contratos de adesão. Concernente a isso, Nelson Nery Junior (2000, p.334) expõe que:
As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer a qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual. O CDC visa proteger o consumidor contra as cláusulas abusivas tout court e não somente o aderente do contrato de adesão.
Alertamos que as cláusulas contratuais abusivas podem estar presentes em qualquer contrato, e não apenas naqueles que se referem ao modelo de adesão. A justificativa básica para essa conclusão reside no fato de que a proteção ao consumidor é premissa constitucional, devendo, assim, ser assegurada em todas as relações jurídicas (DUQUE, 2007, p. 110-111).
O CDC, na segunda situação, regula a cláusula rebus sic stantibus pautada nos seguintes pressupostos: fatos supervenientes e onerosidade excessiva, tendo por conseqüência a revisão do contrato (artigo 6º, inciso V).
Ressaltamos que na relação consumerista, o desequilíbrio contratual pode ser verificado somente com a excessiva onerosidade ao cosumidor, já no Código Civil será também exigida a comprovação da extrema vantagem ao outro contratante. Sendo assim, pelo CDC será suficiente que a prestação seja custosa ao consumidor para que incida a cláusula rebus sic stantibus.
Desta forma, preocupando-se com a manutenção de uma situação que já restou configurada, gerou expectativas e comprometeu o patrimônio do consumidor, deve o magistrado optar pela conservação do negócio jurídico, pois estará em sintonia com os princípios da socialidade e da revisão contratual também no CDC.
Segue exemplo que demonstra a prevalência do princípio da conservação numa relação contratual consumerista de mútuo:
Mútuo realizado entre cooperativa e cooperado comerciante. Relação de consumo inexistente. Contrato. Invalidade de cláusulas não caracterizada. Princípio da conservação do negócio jurídico. 1. Consumidor, nos termos do art. 2º da Lei 8.078, de 1990, é o destinatário final de produto ou serviço. 2. O comerciante cooperado que celebra contrato de mútuo com a sociedade cooperativa não é consumidor, pois o capital mutuado destina-se à produção econômica da atividade dele. 3. Pelo princípio da conservação, o legislador e o aplicador da norma jurídica devem, sempre que possível, preservar o negócio jurídico nos planos da existência, validade e eficácia. 4. Afastada a aplicação da Lei 8.078 de 1990, não sendo concretizada qualquer uma das hipóteses elencadas nos artigos 145 e 147 do Código Civil e com base no princípio da conservação, devem ser tidas como válidas as cláusulas do contrato ajustado entre as partes[3].
No caso acima, é possível depreender que, dada ampla proteção ao consumidor diante da supremacia econômica em que, via de regra, se encontram os fornecedores e produtores de bens e serviços, as referidas regras de interpretação sempre privilegiarão o aderente. No tocante a isso, entendemos a supremacia econômica do fornecedor/produtor em face do consumidor, já que é notória a vulnerabilidade deste último nas relações de consumo.
Devemos em toda interpretação que envolva relações de consumo, reconhecer a vulnerabilidade de um contratante em relação ao outro, de modo que o negócio jurídico venha a sofrer limitações por meio de ações interventivas realizadas pelo Poder Judiciário (DUQUE, 2007, p. 114).
6 Uma nova leitura do direito contratual
Vimos que nos contratos de duração continuada ou de execução diferida poderá ser aplicada a teoria da imprevisão ocorrendo a relativização do princípio do pacta sunt servanda.
A sociedade deve se responsabilizar pela existência social dos seus membros e incentivar o respeito pelos direitos dos consumidores e dos particulares, tudo isso provoca a relativização dos direitos subjetivos com o uso do princípio da função social nas relações privadas[4].
A autonomia da vontade, assim, pode ser mitigada de forma a assegurar o equilíbrio contratual e promover a socialidade nas relações privadas, ainda que o interesse tenha sido inicialmente patrimonial.
Nos contratos que possuem uma duração mais prolongada, o princípio da função social do contrato pretende concretizar a tendência atual de socialização, por via da revisão do negócio. Assim, o aspecto social passa a estar presente em todos os direitos e os deveres criados pelos contratantes que devem ser realizados funcionalmente, mas sem se afastar dos fins econômicos e sociais pelos quais o contrato foi celebrado.
Diante da perspectiva de socialidade, percebe-se que o direito contratual, em face das novas realidades sócio-econômicas, precisou se adaptar e ganhar uma nova função, que, no dizer de Cláudia Lima Marques (2002, p.154) significa a realização da justiça e o equilíbrio contratual.
A boa-fé acolhe um princípio ético, fundado na lealdade, confiança e probidade. Caberá ao juiz constituir a conduta que deveria ter sido tomada pelo contratante levando em conta ainda os usos e costumes (GONÇALVES, 2004, p.36).
A efetividade do princípio da boa-fé deve acompanhar a execução dos contratos, quando configurado o enriquecimento ilícito. A modificação de tal situação deverá obedecer ao juízo de eqüidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfatizamos a necessidade de uma releitura das posições jurídicas ocupadas pelos contratantes. Torna-se incompatível analisar o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações individualistas, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
A questão proposta neste estudo girou em torno da alteração das circunstâncias contratuais. Indicamos a resolução ou revisão contratual como os caminhos a serem seguidos quando uma vez celebrado determinado contrato ocorrer a modificação de suas circunstâncias provocando, assim, situações de onerosidade para uma das partes.
Vivemos o momento de uma renovação teórica do contrato e este momento refere-se à socialização da teoria contratual. Procuramos, a partir do princípio da socialidade associado ao princípio da conservação do contrato, indicar as soluções plausíveis a serem adotadas pelos contratantes, diante do cumprimento do acordo e da redução da onerosidade por via judicial.
Propomos, assim, a observância do marco divisório, então, entre a revisão e a extinção contratual que deve ser a utilidade e a inutilidade da prestação, e também o interesse das partes na manutenção do negócio. No primeiro caso, para privilegiar a prestação em espécie e, no segundo caso, para preservar a segurança das relações e das expectativas de direitos contratuais gerados.
Artigo de Bruna Lyra Duque.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O dogma da inimputabilidade penal do menor de 18 anos e a falácia da sua redução

O dogma da inimputabilidade penal do menor de 18 anos e a falácia da sua redução

É possível a redução da imputabilidade penal na atual conjuntura do Estado Democrático de Direito pátrio? Breve escorço sobre a matéria.
É muito comum ver na mídia impressa, ou televisiva, a opinião formada segundo a qual a maioridade penal deve ser reduzida dos 18(dezoito) anos para 16 (dezesseis anos), outros propõem até a punição a partir de uma idade mais tenra.

A mídia, como é da sabença de todos, tida por muitos como o quarto poder muitas das vezes influencia a opinião pública com essa falácia. Pois argumentam que aos 16 (dezesseis) anos o adolescente já pode votar. Todos os dias somos bombardeados com a mesma opinião.
Porém, se a maioridade penal em outros países já é assunto consolidado que não permite maiores elucubrações. Aqui o assunto se tornou polêmico, em razão de adolescentes que cometem “crimes” bárbaros e supostamente saem “impunes”.
Ora, compulsando a legislação pátria, notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), no art. 103, vemos que a lei determina que o adolescente comete ato infracional. Por seu turno a Lei Eleitoral desmitifica a ideia de que o adolescente já é maduro o suficiente para votar aos 16(dezesseis) anos, quando em verdade a Constituição da República (art. 14, inciso II, alínea c) prescrevem que o voto do menor de 18 (dezoito) anos e maior de 16 (dezesseis) é facultativo.
Ato infracional é o que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevê. Em tese o adolescente não pratica crime. Mas o maior de 18 (dezoito) anos. A dúvida surge quanto ao significado de ambos os termos técnicos. Se no caso do adolescente estamos diante de um eufemismo ou mitigamento para o termo técnico crime.
Para o Diploma Legal acima mencionado o menor de 18 anos é inimputável, haja vista que sujeitos às medidas previstas na Lei nº 8.069/90(art. 104). Contudo a lei merece uma reforma, eis que aplicáveis as penas baseadas no art. 112. Por outro lado, a inimputabilidade vige para as penas cominadas aos delitos prescritos no Código Penal.
Infracional vem de infração que consiste na violação da lei, regulamento, obrigação, contrato, dever. Poder-se-ia pensar que a infração penal seria a violação da lei penal: crime ou contravenção. Mas o termo infração não abrange sempre o delito civil ou penal, contravenção ou quase delito, infração disciplinar ou ilícito administrativo em sentido amplo. Pois pode haver infringência sem autor a punir.
O termo técnico ato infracional existe não como um eufemismo ou uma mitigação, mas é um termo técnico utilizado para a pena que não deve ter um caráter apenas aflitivo, mas como fim imediato a reprovação da infração e como fito mediato a prevenção de que novos delitos aconteçam. A pena, no caso em tela, a medida sócio educativa, com a respectiva internação do menor infrator na unidade prisional para adolescentes, a antiga Febem, que por sua vez se tornou “escola do crime”, com internos organizando-se com facções criminosas e estabelecendo rebeliões para suas reivindicações, visa a reeducação e reinserção do menor infrator à sociedade.
O caráter aflitivo da pena é muitas vezes utilizado pela mídia, segundo a qual o menor infrator deve apodrecer na cadeia, assim como os imputáveis, quando, em verdade, ele deve ser internado, em caso de delitos graves, porque não sabe conviver em sociedade e atenta ou atinge, com o seu ato infracional, um bem jurídico relevante, se tivermos em conta que tão-só os fatos típicos penalmente relevantes podem ser punidos (princípio da intervenção mínima), quais sejam, a vida, a incolumidade física, o patrimônio, etc.
O apodrecimento na cadeia ganhou moldes de vingança privada. A lei do talião ainda vige no seio da sociedade ao se usar expressões como aquela. É uma opinião em que se requer o sofrimento do infrator na mesma medida em que a vítima. Ou seja, olho por olho, dente por dente. Quando o Estado tomou para si a desincumbência de dizer o direito ao cidadão investiu de poderes um tribunal constitucionalmente previsto, e não um tribunal ad hoc, um tribunal de exceção, cujo direito-garantia expresso na Carta Magna preceitua não poder haver juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, inciso XXXVII ).
Para Hart o princípio da retribuição expressa “não o fim senão justamente o critério de distribuição e de aplicação das penas”. Para Alf Ross “retribuição é, por definição, prevenção”. Luigi Ferrajoli diz “Mas o contrário não é necessariamente verdadeiro, posto que se pode prevenir sem retribuir algo: o fim da prevenção, se bem que entrelaçado ao princípio retributivo, por sua vez, não o implica, podendo ficar satisfeito também por meio da punição desarrazoada do inocente”.
O menor de idade discerne o que é errado e o que é certo, mas atrapalharia o seu desenvolvimento enquanto cidadão a inclusão prematura deles em cadeias para indivíduos muito perigosos que contribuiriam para sua formação de uma maneira negativa. Quando, em verdade, o direito penal visa a reintegração do infrator a sociedade por meio da sua recuperação. A pacificação social é a missão do Poder Judiciário e não aplicar a pena para ver o preso apodrecer na cadeia.
O Código Civil de 1916 previa que o homem era capaz para os atos da vida civil aos 21 (vinte e um) anos de idade (art. 9º). O Código Civil de 2002 reduziu para 18 (dezoito) anos como prescrito no art. 5º, da Lei nº 10.406/02 que assim predetermina: “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Acerca daquele Codex vejamos a opinião do mestre Sílvio Rodrigues acerca do desenvolvimento intelectual do menor relativamente incapaz (maior de 16 anos e menor de 21 anos): “ A lei, neste caso, admite que o indivíduo já tenha atingido um certo desenvolvimento intelectual, que, se não basta para dar-lhe o inteiro discernimento de tudo que lhe convém nos negócios, chega, entretanto, para possibilitar-lhe atuar, pessoalmente, na vida jurídica”.
“O ordenamento jurídico não mais despreza a sua vontade, antes a considera, atribuindo ao ato, praticado pelo menor púbere todos os efeitos jurídicos, desde que se submeta aos requisitos exigido pela lei. Entre tais requisitos o mais relevante é o de vir o menor assistido por seu representante, isto é, a lei exige, para validade do ato, que o menor se aconselhe com seu pai ou tutor, o qual, se de acordo com o negócio, o assistirá.” In Direito Civil, Sílvio Rodrigues, Parte Geral, Volume 1.
Para Maria Helena Diniz a “incapacidade é a restrição legal ao exercício dos atos da vida civil, devendo ser sempre encarada estritamente, considerando-se i princípio de que “ a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção”. No que tange ao menor absolutamente incapaz diz a referida doutrinadora que os menores de 16 (dezesseis) anos são absolutamente incapazes porque “devido à idade não atingiram o discernimento para distinguir o que podem ou não fazer, o que lhes é conveniente ou prejudicial. Dado o seu desenvolvimento mental incompleto carecem de auto-orientação, sendo facilmente influenciáveis por outrem.”
No que tange a incapacidade relativa dos maiores de 16 (dezesseis) anos e menores de 18 (dezoito) anos diz a referida doutrinadora que “a sua pouca experiência e insuficiente desenvolvimento intelectual não possibilitam sua plena participação na vida civil, de modo que os atos jurídicos que praticarem só serão reputados válidos se assistidos pelo seu representante. Caso contrário, serão anuláveis.” Com exceção do jovem que: “pela concessão dos pais, ou de um deles na falta de outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; pelo casamento; pelo exercício de emprego público efetivo; pela colação de grau em curso de ensino superior; pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”. É o que decorre do parágrafo único, do art. 5º, incisos I a V, da Lei nº 10.406/02. Nestes casos, cessando a incapacidade, a emancipação se dá por que são exceções de ingresso na vida adulta que não seriam normais para todos os menores púberes e impúberes.
O novo Código Civil mantém a a incapacidade relativa aos 16 (dezesseis) anos de idade (art. 4º ,inciso I) e a incapacidade absoluta no art. 3º , inciso I para o maior de 16 (dezesseis) anos e menor de 18 (dezoito) anos.
Ora, a mantença da imputabilidade penal a partir dos 18 (dezoito) anos completos se explica pelo princípio da humanidade (art. 5º, inciso XLVII, da Carta Magna). Diz Guilherme de Souza Nucci sobre a concretude do referido princípio: “Cuidar do tema da humanidade pode simbolizar uma busca por parâmetros ideais, desvinculados da realidade, em particular, pela dificuldade de materialização da benevolência do sistema penal diante do infrator”. (...) “No extenso caminho rumo ao amadurecimento, pretendendo-se consolidar os bons sentimentos e os elevados valores, impõe-se a restrição à plena liberdade de ação dos infantes e jovens, seja por meio dos pais ou tutores, seja por intermédio da escola. Nesse processo, encontram-se as sanções disciplinares, cuja finalidade é a preservação da autoridade de quem conduz o curso educacional. O objetivo de pais e professores, que certamente amam seus filhos e respeitam seus alunos, é o bem, como regra. Outra não pode ser a missão do Estado, buscando, pela via da pena, proporcionar a reeducação e a ressocialização do infrator, conforme a extensão da reprimenda aplicada.”
A imputabilidade penal do menor infrator é um vão sofisma, pois. A pena cruel, não açambarcada pelo ordenamento jurídico pátrio, no dispositivo alhures destacado, da convivência do menor infrator com adultos que atuam e necessitam igualmente de ressocialização não se compactua com o Estado de Democrático de Direito e sobremodo com o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição da República), tendo em vista o estado caótico das nossas cadeias, verdadeiras escolas do crime.

Bibliografia

Direito Civil, volume I, RODRIGUES, Sílvio
Direito Civil, volume I, DINIZ, Maria Helena
Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais – NUCCI, Guilherme de Souza

Por KARLA CHRISTINA FARIA DE ALMEIDA, advogada
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